Para que serve um telecentro?
É inegável o papel que projetos como a rede de telecentros de São Paulo assumiu quando de sua criação há mais de uma década. Não somente por conta da visão do acesso a tecnologias de comunicação como infraestrutura pública disponível à população, mas principalmente por alguns aspectos reflexivos e articulados: a opção técnica e política pelo software livre; a perspectiva do telecentro não só como acesso à rede (que suporia uma certa alienação do local), mas essencialmente como espaço de uso coletivo, aprendizados e agenciamento; a visão de integração das pontas de uma cidade dispersa; e a atenção especial ao caráter cultural das novas tecnologias.
Mais do que as simples estatísticas (por mais relevantes que sejam) de quantidade de pessoas "atendidas", os telecentros de São Paulo participaram qualitativamente de momentos importantes da história recente das tecnologias no Brasil. Deram visibilidade e ferramentas a uma geração de novos ativistas enraizados em questões sociais locais, participaram de eventos e sediaram experimentos que reverberaram no mundo inteiro. Talvez de forma ainda mais importante, ajudaram a viabilizar um discurso político da relevância das tecnologias livres para a construção de uma sociedade mais justa e com oportunidades para todos.
Entretanto, uma década se passou. Grande parte das bandeiras que naquela época eram extremamente inovadoras foram agora assimiladas e por vezes neutralizadas. Por outro lado, as tecnologias continuam tendo um papel ambíguo: oferecem liberdade ao mesmo tempo em que promovem o controle. Possibilitam o surgimento de iniciativas inovadoras e transformadoras, ao mesmo tempo em que reduzem toda criatividade a seu valor financeiro.
Existe um papel para os telecentros nesse contexto. Como espaço privilegiado de uma elaboração concreta sobre as novas possibilidades coletivas trazidas pelo desenvolvimento tecnológico, eles precisam ir além do modelo do acesso. Existe uma gama de temáticas emergindo da fronteira entre tecnologias e sociedade: laboratórios de fabricação digital; realidade expandida; mídia locativa; cartografias digitais; micropagamentos; espaços de co-working; empreendedorismo social e muitas outras.
Ao longo da última década, foi renascendo em diversas partes do mundo a ideia dos laboratórios experimentais: arranjos criativos inspirados pelas formações institucionais dos anos oitenta e noventa do século passado, mas reformatadas com olhos em tempos de redes sociais, mobilidade facilitada e ubiquidade do acesso. São iniciativas em diversos contextos que promovem a reflexão sobre o papel das tecnologias na cidade e na sociedade. Trabalham com a ideia de uma apropriação crítica das novas tecnologias: nem as refutando nem as aceitando passivamente. Atuar nesta chave faz todo o sentido para uma política baseada no uso e no desenvolvimento de novas tecnologias para a transformação social.
Cada telecentro já é um laboratório em potencial. Só o que precisamos é uma mudança simples: em vez de afirmar as tecnologias como resposta definitiva para problemas já diagnosticados, uma política experimental baseada em laboratórios abre as questões que a cidade tem, as questões que as tecnologias trazem, e começa a testar hipóteses. Tenho certeza de que muita gente ia querer ajudar.