Terceiro produto do levantamento desenvolvido por Felipe Fonseca e Luciana Fleischman sobre arranjos experimentais colaborativos em cultura digital, sob encomenda do Ministério da Cultura do Brasil (Coordenação-Geral de Cultura Digital). O documento pode ser acessado pelos links abaixo, e está também disponível para download no Scribd.
Este documento consiste no terceiro e último produto do estudo sobre arranjos experimentais colaborativos em cultura digital produzido para a Coordenadoria-Geral de Cultura Digital do Ministério da Cultura do Brasil. Nas entregas anteriores, foram desenvolvidos um levantamento acerca de diferentes modelos de laboratórios experimentais operando na fronteira entre cultura e tecnologia, além de um conjunto de sugestões voltadas à implementação de políticas públicas para o estímulo aos laboratórios de cultura e tecnologia.
Nesta última etapa, a ideia é associar as indicações mais conceituais apontadas nas etapas anteriores a possibilidades concretas de implementação de uma rede de laboratórios, fazendo eco tanto a demandas postas por grupos já atuantes na área quanto à orientação estratégica de rearticular o desenvolvimento do campo da cultura digital em compasso com os contextos nacional e internacional dos dias de hoje. Para isto, trabalha-se o diálogo entre aquelas indicações e as diretrizes do Plano Nacional de Cultura - construído a partir da realização de três edições da Conferência Nacional de Cultura - com vistas a subsidiar a elaboração do plano setorial de arte e cultura digital.
Seguindo a linha adotada ao longo desta pesquisa, todas as análises e propostas aqui elencadas trabalham com o horizonte do incentivo a uma cultura digital da abertura que se ocupe da produção do comum, pautando-se pelos princípios da inclusão, da diversidade, da sustentabilidade e da produção interdisciplinar, e priorizando estes como elementos de resistência às possíveis armadilhas interpostas por uma percebida submissão gradual da produção cultural às regras do mercado.
Uma observação importante a fazer de antemão diz respeito à dificuldade em encontrar informações oficiais sobre as Conferências Nacionais de Cultura, sobre o Colegiado Setorial de Arte Digital e sobre sua atuação junto ao Conselho Nacional de Políticas Culturais. Desde links quebrados dentro do próprio website do Ministério da Cultura até websites inteiros retirados do ar por conta do período eleitoral, passando ainda pela falta dos próprios envolvidos em efetuarem uma documentação sistemática e de acesso público1, a impressão que se tem é de que ainda há muito a melhorar na preparação de um campo comum de atuação que se baseie no compartilhamento e circulação de conhecimento.
A produção experimental comporta algumas condições paradoxais. Uma das mais importantes é sua temporalidade peculiar. Por um lado a experimentação requer olhos atentos ao momento, desvendando questões presentes e futuras. Nesse sentido, exige uma rapidez de decisão e uma flexibilidade de modos de atuação que estão mais associadas a um pensamento de curtíssimo prazo. Por outro lado, a experimentação demanda também uma autonomia operacional dos indivíduos e grupos envolvidos que só pode acontecer com alguma segurança no médio e longo prazos. Quando algum desses pólos não está presente, a produção experimental perde muito de sua relevância: sem agilidade operacional pautada pelo dia a dia ela torna-se engessada, ao passo que sem uma segurança de médio prazo ela fica demasiadamente refém de mudanças no contexto político ou institucional.
Por outro lado, como já comentado anteriormente a respeito de mecanismos de avaliação de processos experimentais, sua dimensão só vai aparecer integralmente a longo prazo, quando seria possível identificar os desdobramentos, colaborações e contaminações dos projetos. O que indica, mais uma vez, a necessidade de pensar em políticas de apoio para uma construção de longo prazo e a pesquisa/observação continuadas. Como indica Pedro Soler, para além do critério numérico (quantidade de pessoas) ou temporal (duração e regularidade) e a documentação dos projetos, há um aspecto de geração de valor que se revela com o tempo e conforma, segundo o gestor, “uma questão econômica: o que foi gerado não só no contexto do próprio lab, mas os projetos que foram gerados a partir disso. Por exemplo: a pessoa que participou do projeto está agora realizando oficinas, ou trabalhando em outro lugar, etc. É interessante avaliar [isso] ao longo do tempo, mas nem sempre é possível.” (SOLER)
Entre as diversas demandas identificadas para o desenvolvimento do setor a partir do presente estudo, talvez a mais crítica seja justamente uma previsibilidade nas políticas e programas. De fato, como visto nos produtos anteriores deste levantamento, representantes da área no Brasil criticam a ausência de segurança a médio e longo prazos nos raros mecanismos institucionais de estímulo à produção de fronteira entre cultura e tecnologia.
De acordo com o relatado por estas pessoas, o financiamento de empresas comerciais e instituições privadas costuma estar excessivamente orientado à visibilidade midiática das tendências do momento. O que resulta são experiências pontuais ou de duração limitada. Entre muitos exemplos pode-se mencionar o edital de Arte e Tecnologia da Fundação Telefônica, a realização do Prêmio Sergio Motta ou a inclusão da cultura digital como área específica no edital Petrobras Cultural, iniciativas que desapareceram sem deixar rastro.
Também (ou ainda mais) no setor público o campo padece de uma prevalência de projetos-piloto. Para citar somente alguns exemplos deste último caso: os editais XPTA e Esporos de Cultura Digital do Ministério da Cultura tiveram apenas uma edição cada. O Prêmio Mídia Livre teve duas edições em anos consecutivos e depois acabou. A bolsa Funarte de pesquisa em arte e novas mídias foi concedida uma só vez. A rede de Pontões de Cultura Digital, criada para articular o desenvolvimento de ações e capacitação em cultura digital junto ao programa Cultura Viva, teve inúmeros problemas desde sua implementação, e posteriormente foi relegada a segundo plano. Como se vê, o campo é extremamente fragmentado e inconstante. O artista e curador Lucas Bambozzi, comentando a respeito de um desses programas, afirmou o seguinte:
"Haveria lastro de público de interessados para ele continuar por mais quatro ou cinco anos pelo menos, e aí se fazer a avaliação de continuidade ou não. As políticas públicas parecem emperrar no interesse imediatista da gestão daquele momento, do gabinete, do secretário." (BAMBOZZI)
Além das consequências da falta de previsibilidade para quem trabalha na área, esse descompasso também repercute na ausência de uma narrativa coerente que dê conta de todas essas iniciativas como integrantes de uma área comum. Surgem e desaparecem como iniciativas isoladas, e se desperdiça um imenso potencial de cooperação e circulação entre diferentes iniciativas que não se realiza.
Sobre este ponto, Paulo Amoreira, conselheiro do Colegiado Setorial da Arte Digital e coordenador de cultura digital do equipamento público CUCA Che Guevara em Fortaleza, afirma que “uma saída possível para esse perverso círculo de avanço/retrocesso é o empoderamento de agentes culturais, grupos, coletivos, pesquisadores, artistas e outros personagens que, para além do patrocínio eventual proporcionado pela ativação de determinada ferramenta de acesso a incentivos (editais, prêmios, chamadas públicas...), conseguem manter uma ação criativa e produtiva. Desse modo, a intervenção do Estado seria mais pontual e mais estruturante, possibilitando o surgimento de Redes Autossustentáveis. Uma Rede fortalecida pressupõe, ao longo do tempo, trocas diversas de mútua afetação, decantação e remixes (Residências, Intercâmbios, Itinerâncias), mas também requer criação e processamento multilocal, com acessos instantâneos imediatos, garantidos por conexões de alta velocidade que permitam a dissolução da autoria dentro de um fluxo criativo com múltiplos agentes não-circunscritos a limites geográficos e culturais. Nesse momento, a sustentabilidade da infraestrutura necessária para esse propósito se apresenta como um desafio que requer atenção.” (AMOREIRA)
Danillo Barata, artista, curador e diretor do Centro de Cultura, Linguagens e Tecnologias Aplicadas (CECULT) da UFRB e conselheiro suplente do Colegiado de Arte Digital, sugere que “talvez o grande diferencial poderia ser pensar uma cota fixa como as agências de fomento colocam: bolsas específicas, às vezes de produtividade de pesquisa, para o incentivo de vários grupos e aí talvez fosse uma coisa mais dirigida mesmo. Pensar de forma multidisciplinar. Se tiver um grupo que eu já tenho afinidade para colaborar, é muito bacana ter as condições para poder fazer isso. As ajudas hoje são muito espaçadas e não têm continuidade, e isso quebra inclusive porque estamos trabalhando em redes. Mas as redes precisam de alimentação cotidiana, precisam ser alimentadas”. (BARATA).
É urgente elaborar e implementar políticas de estímulo à produção experimental e à produção crítica em cultura digital que sejam permanentes ou, no mínimo, projetem um horizonte mais amplo do que se costuma estar colocado. A necessidade de trabalhar de maneira mais apropriada a temporalidade própria da área e sua continuidade nas políticas públicas voltadas aos arranjos criativos coletivos em cultura digital será trabalhada ao longo deste documento, lançando-se mão principalmente de mecanismos democráticos institucionalizados de construção e acompanhamento de políticas públicas. Mas em primeiro lugar, para estabelecer o cenário, vamos retomar a discussão conceitual iniciada no mapeamento de contexto que inaugurou a presente pesquisa.
Como indicado no primeiro produto desta pesquisa (FONSECA), a afirmação política de uma cultura digital particularmente brasileira exige que se repense de maneira mais aprofundada o papel das tecnologias e redes digitais nos tempos atuais. Mais do que retomar a ideia de cultura livre tão bem desenvolvida ao longo da década passada nas políticas do Ministério da Cultura, o momento abre a possibilidade de propor discussões latentes tanto no Brasil quanto no exterior. Um caminho potencial identificado por esta consultoria trata da ideia de uma cultura de abertura, que direcionaria seu olhar menos para a questão objetiva das licenças de direito autoral ligadas a cada objeto digital compartilhado em rede e mais para a adoção da abertura como fundamento estruturador em sentido amplo. Em outras palavras, uma postura de abertura que reorganizaria todo o processo de criar, produzir, disponibilizar e circular a produção cultural.
A cultura digital da abertura opera de maneira colaborativa, compartilhada e em rede desde o berço. Ela sugere maneiras rápidas, heterodoxas e inclusivas para escapar a impasses presentes há anos em diversas questões das políticas culturais: formação de público, educação profissional, sustentabilidade, integração entre local e global, preservação de identidade e diversidade, entre outras.
Para articular uma política de cultura digital que dialogue com a ideia de abertura como posicionamento explícito, é fundamental incorporar princípios já expressos nas estratégias e recomendações indicadas no segundo produto desta consultoria (FONSECA). São eles:
A concepção de espaços de produção e ação interconectados em rede (rede de laboratórios);
Formas de promover o compartilhamento;
Apoio à pesquisa continuada e documentação;
Articulação interinstitucional em rede.
Retomaremos a estes pontos oportunamente. Primeiramente, entretanto, faz-se necessário introduzir os mecanismos de elaboração e implementação de políticas culturais que despontam como o canal legítimo para o debate e construção das estratégias acima.
O Sistema Nacional de Cultura (SNC) é um instrumento institucional formalizado através de emenda constitucional aprovada em 2012. Resultado do processo aprofundado e participativo de construção que se cristalizou ao longo de três edições da Conferência Nacional de Cultura, o SNC prevê a regulamentação das políticas públicas de cultura no território nacional. O SNC surge como principal articulador do Plano Nacional de Cultura (PNC), aprovado em 2010 como resultado do mesmo processo. Entre as inúmeras inovações criadas pelo processo que culminaria no SNC, destacam-se para os fins deste levantamento as Metas do PNC e os Colegiados Setoriais.
O processo de elaboração do PNC foi consolidado nas Conferências Nacionais de Cultura, que reuniam as demandas e apontamentos colhidos nas Conferências Estaduais e Municipais, bem como das Pré-conferências Setoriais. Discussões públicas e abertas às quais foram convidados todos os setores interessados em políticas culturais, as Conferências resultaram em 53 metas que traçam o horizonte daquilo que se pretende alcançar no campo das políticas culturais brasileiras até o ano de 2020.
Abaixo estão elencadas aquelas metas que guardam alguma relação com o objeto desta pesquisa. A relação se dá por vezes de forma mais direta e evidente, como é o caso da Meta 43, que trata da implantação de laboratórios de arte e tecnologia em cada um dos estados brasileiros. Mas aparece também de forma indireta com outras metas, uma vez que - como comentado anteriormente -, este estudo demonstrou a relevância de promover-se uma postura de abertura que no limite poderia reorganizar todo o processo de criação, produção, disponibilização e circulação da produção cultural.
Metas do PNC relacionadas a arranjos criativos colaborativos em cultura digital |
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Meta 3 |
Cartografia da diversidade das expressões culturais em todo o território brasileiro. |
Meta 8 |
110 territórios criativos reconhecidos. |
Meta 9 |
300 projetos de apoio à sustentabilidade econômica da produção cultural local. |
Meta 14 |
100 mil escolas públicas de Educação Básica desenvolvendo permanentemente atividades de arte e cultura. |
Meta 19 |
Aumento em 100% no total de pessoas beneficiadas anualmente por ações de fomento à pesquisa, formação, produção e difusão do conhecimento. |
Meta 23 |
15 mil Pontos de Cultura em funcionamento, compartilhados entre o Governo Federal, as Unidades da Federação (UFs) e os municípios integrantes do Sistema Nacional de Cultura (SNC). |
Meta 25 |
Aumento em 70% nas atividades de difusão cultural e intercâmbio nacional e internacional. |
Meta 33 |
1.000 espaços culturais integrados a esporte e lazer em funcionamento. |
Meta 35 |
50% de bibliotecas públicas e museus modernizados. |
Meta 40 |
Disponibilização na internet dos seguintes conteúdos, que estejam em domínio público ou licenciados (vários) |
Meta 41 |
100% de bibliotecas públicas e 70% de museus e arquivos disponibilizando informações sobre seu acervo no SNIIC. |
Meta 42 |
Política para acesso a equipamentos tecnológicos sem similares nacionais formulada. |
Meta 43 |
100% das Unidades da Federação (UFs) com um núcleo de produção digital audiovisual e um núcleo de arte tecnológica e inovação. |
Meta 45 |
450 grupos, comunidades ou coletivos beneficiados com ações de Comunicação para a Cultura. |
Meta 46 |
100% dos setores representados no Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC) com colegiados instalados e planos setoriais elaborados e implementados. |
Relação entre as metas do PNC e as sugestões de encaminhamento constantes no produto 2 do presente levantamento:
Propostas produto 2 |
Metas PNC relacionadas |
1.Infra-estrutura digital para documentação e publicação |
3, 8,19,40, 41, 43, 45 |
2. Meta-laboratório |
9,23,33,35,42,43 |
3.Ocupações, residências e intercâmbios |
9,14,19,23,25,33,42,43,45 |
4.Circuito |
9,23 |
Algumas destas Metas tratam de objetivos comuns a todas as áreas da cultura. É o caso da Meta 46, que prevê que todos os setores representados no CNPC tenham implementados os seus próprios colegiados e planos setoriais; ou da Meta 3, que propõe uma cartografia de expressões culturais. Outras tratam de ações que tangenciam o campo da produção experimental e crítica em cultura digital como a Meta 23 que estabelece o objetivo de 15 mil Pontos de Cultura, a Meta 45 que busca chegar a 450 grupos com ações de Comunicação para a Cultura, a Meta 41 que fala sobre a integração de acervos de bibliotecas e museus ao SNIIC, a Meta 35 que fala em 50% de bibliotecas e museus modernizados, entre outras. Destaca-se ainda a importância da Meta 42, que sugere uma política de acesso a equipamentos importados que não tenham similares nacionais, para a experimentação com novas tecnologias que frequentemente se encontram justamente nesta situação.
Como comentado, a Meta que pareceria apresentar maior potencial de diálogo direto com uma rede de laboratórios seria a 43, que determina que todas as Unidades da Federação tenham um núcleo de produção digital audiovisual e um núcleo de arte tecnológica e inovação. Entretanto, levando-se em conta as propostas, depoimentos e análises desenvolvidas ao longo desta pesquisa, é importante também indicar que a ideia de uma cultura digital voltada à abertura deve estar fundamentalmente representada em outras metas como a 25 (difusão cultural e intercâmbio), a Meta 19 (fomento à pesquisa, formação, produção e difusão do conhecimento) e a 23 (Pontos de Cultura). Tratou-se neste documento e nos anteriores, afinal, de sopesar a prioridade de grandes investimentos em equipamentos frente ao potencial criativo e produtivo que resultaria de um foco maior no intercâmbio, nas ocupações, nas residências, nos circuitos de eventos e em outros formatos mais flexíveis que se operacionalizem em rede.
Uma observação especial fica ainda para aquelas metas (8 e 9) mais ligadas ao campo da Economia Criativa. Aqui é importante adotar uma postura crítica, como já sugerido anteriormente, através da qual seja proposta uma reflexão acerca da relevância social da Economia Criativa, de seu diálogo com as tecnologias sociais e com a economia solidária. Em sendo esta a perspectiva, aquelas ações na fronteira entre cultura e tecnologia, operando em redes de laboratórios, trabalhando uma cultura da abertura e ainda propondo a apropriação crítica e a experimentação, tudo isto em conjunto contribui para enriquecer as estratégias, metodologias e ações para a construção de políticas que promovam a articulação entre cultura e economia sem incorrer em uma submissão às regras do mercado.
Respondendo à Meta 46 do PNC (criação de Colegiados Setoriais para todas as áreas representadas no Conselho Nacional de Políticas Culturais), formou-se o Colegiado Setorial de Arte Digital para compor e legitimar a representação do setor no CNPC, órgão que tem por objetivos elaborar políticas culturais e atuar como ponte entre governo e sociedade. A partir de sua implementação, o Colegiado ampliava a representação da arte digital, que até então contava apenas com uma conselheira (Patricia Canetti). O Colegiado conta desde então com 13 membros da sociedade civil, representados por um conselheiro titular (Paulo Amoreira) e uma conselheira suplente (Andreia Machado Oliveira). Os representantes eleitos, segundo e-mail de Canetti enviado a grupos de discussão no fim de 2012, teriam a atribuição de criar os planos setoriais da Arte Digital e da Cultura Digital (CANETTI).
Durante a nossa pesquisa, que incluiu a revisão de fontes secundárias e entrevistas com pessoas-chave, ficou em evidência a falta de uma estratégia que integre de arte e cultura digital. De fato, nas conversas com atuais integrantes do Colegiado, por vezes foi exposta uma tensão entre perspectivas diferentes que em última instância definiriam a separação entre esses dois planos. A cultura digital faz referência ao histórico descrito no primeiro produto deste estudo, tributário da aproximação entre o programa cultura viva e as vertentes culturais surgidas em torno do movimento do software livre. Por sua vez, a arte digital anseia pelo legítimo reconhecimento da área frente às instituições e políticas públicas de cultura.
Para a conselheira Andreia Machado Oliveira, “Se a gente entende que a arte digital é a cultura digital, a cultura digital é muito ampla, e aí nós não obteremos fomento para a produção da arte digital, que é muito específica. Nosso sentido de fazer esse recorte é justamente para que conseguir criar esse campo da arte digital dentro do Brasil”. (MACHADO OLIVEIRA)
O mesmo posicionamento é expresso pela Profa. Nara Cristina Santos:
“Quando se fala de cultura digital, o termo digital tem um peso que a gente poderia entender como um vasto campo de cultura que envolve as tecnologias digitais. No entanto, na hora de buscar verbas, de estratégias de fomento, há uma sobreposição da força da cultura digital em relação à arte digital. E como nós temos um colegiado separado, o que nós queremos é esse reconhecimento. Não somos contra a cultura digital, muito pelo contrário, nos sentimos envolvidos nela. No entanto queremos enfatizar a necessidade de um olhar específico para essa produção em arte digital”. (SANTOS)
Já para Maria Luiza Fragoso, “as políticas públicas de incentivo institucional da arte digital e seu contexto criativo laboratorial devem abrir portas e oportunidades; deixar que os artistas investiguem, dialoguem, criem redes de pesquisa e de produção transdisciplinares, conjugando arte, ciência e tecnologia. Os investimentos devem ser direcionados aos espaços coletivos, aos programas de estímulo criativo comunitários, à capacitação técnica e à criação de centros de exposição onde a arte dialogue com as mais diversas áreas de conhecimento e se integre com as comunidades em seu entorno.” (FRAGOSO in GASPARETTO)
Por outro lado, André Mintz, ex-coordenador do Marginália+Lab de Belo Horizonte, percebe uma aproximação entre a arte digital e o campo da ciência e tecnologia:
“A arte digital acabou se relacionando muito fortemente com a arte e ciência, isso também é uma questão da arte contemporânea, claro que em um nicho temático específico, assim como existem vários outros nichos temáticos. Existem exemplos de trabalhos que não precisam ser somente em arte eletrônica ou arte digital, mas podem estar relacionados ao papel da ciência na contemporaneidade, aos meios tecnológicos, mas não precisam necessariamente se vincular a um eixo, como um eixo paralelo que acabou se desenvolvendo na história da arte, que não é proveitoso nem para este eixo autônomo da arte e tecnologia, nem para o que se chama da arte contemporânea, é necessário tentar mais conversas.
Por outro lado, penso que há alguma produtividade neste eixo paralelo, que tem menos a ver com uma produção artística específica e mais com o ponto de vista das comunidades que se articulam neste outro eixo. Esta é uma discussão que eu já presenciei várias vezes. Eu gosto muito do modo como a Raquel Rennó se posicionou uma vez em relação a isso, lembro de uma discussão que aconteceu em um dos festivais da cultura digital, quando foram em São Paulo. As discussões estão ligadas às licenças permissivas, à colaboração, que são oriundas de uma cultura de software livre, que foi trazida para o âmbito da cultura, da ideia do Creative Commons, da ideia da cultura Remix, que não está apenas ligada à arte digital ou mesmo à arte, mas com a cultura como um todo. Neste sentido, eu penso que existe uma discussão que aí sim é bastante produtiva e está muito ligada às questões da arte digital, mas que não precisa ser chamada de arte. E o posicionamento da Raquel Rennó, foi muito interessante […] ela disse que o pessoal com quem ela trabalhava, que era da 'arte digital' nem se considerava artista. Que é algo de outra dimensão, não necessariamente ligada à arte, que as pessoas não se consideram artistas, mas que estão relacionadas a uma cultura hacker, ao ativismo, a uma cultura que não tem essencialmente pretensões artísticas, mas isso em um conceito de arte ainda tradicional. Mas são pessoas que têm propostas políticas muito fortes, são ativistas e têm um pensamento cultural aliado à tecnologia, que no meu entendimento se torna cada vez mais presente na arte contemporânea, ainda que em circuitos alternativos, mas que ainda tem particularidades neste domínio externo, elas não se reconhecem nesse universo, mas têm relações muito próximas com a arte digital.” (MINTZ in GASPARETTO)
No contexto que deu origem ao Colegiado Setorial de Arte Digital, a tensão entre diferentes especificidades é mantida em grande medida por decorrência da falta de uma decisão em relação à moção de 2010 na qual os delegados da pré-conferência setorial de Arte Digital solicitavam a abertura de uma vaga específica para a Cultura Digital no CNPC. Justificavam tal solicitação em função de diferenças fundamentais entre as áreas. Na ausência de tal resposta, o resultado é que existem conflitos que já antecedem qualquer tentativa de construir novas bases que possibilitem a elaboração de políticas públicas apropriadas.
Estes conflitos e tensões estão postos e não há resposta simples e rápida para eles. Antes de inconvenientes, entretanto, precisam ser entendidos como expressão de aspirações legítimas. A solução para eles deve necessariamente passar pela construção de mecanismos mais adequados, que possibilitem a diversidade de perspectivas mesmo enquanto a cultura digital e a arte digital precisarem dividir o mesmo espaço de representação institucional. Um caminho poderia ser a existência de duas linhas, de igual importância: por um lado, o reconhecimento de especificidades e demandas legítimas de um setor como o da arte digital, que procura linhas de apoio específicas para pesquisa e produção perante órgãos de fomento à produção artística como a FUNARTE e afins. De outro, a articulação das diferentes especificidades em uma perspectiva de cultura digital experimental que seja abrangente, integradora e com visão de longo prazo. E, pode-se acrescentar, que dialogue com a perspectiva de uma cultura digital da abertura que desponta como horizonte estratégico de todas as ações nesta área.
1Por exemplo, o Colegiado Setorial de Arte Digital mantém uma página no Facebook (https://www.facebook.com/CNPCArteDigital?fref=ts , acessada em 23/09/2014). Mas não foi possível acessar por meio dela materiais sobre o andamento dos debates e as propostas do colegiado.
Com o objetivo de subsidiar a busca de propostas concretas para o desenvolvimento pleno do campo da cultura digital, e em especial do estímulo a arranjos criativos colaborativos que consolidem a produção crítica e a produção experimental em cultura digital, elenca-se a seguir alguns apontamentos. Eles dialogam com as diretrizes indicadas no produto anterior deste estudo (FONSECA), trazendo argumentos e propostas efetivas para sua implementação.
A construção efetiva de uma cultura digital de abertura concretiza-se em primeira instância em diversos espaços de produção e ação interconectados em rede. Tais espaços podem ser desde laboratórios de mídia estruturados com equipamentos de ponta até a ocupação pontual de espaços públicos, passando por dezenas de configurações alternativas - fixas, esporádicas, temporárias, efêmeras, móveis, nômades, virtuais. Tais espaços de produção, que aqui se sugere sejam considerados em todos os seus formatos como laboratórios experimentais, devem estar voltados essencialmente àqueles que Pedro Soler chamou de “criadores” (SOLER) - não somente artistas, mas essencialmente indivíduos e coletivos atuando de forma criativa e inovadora em diversas áreas do conhecimento. O que interessa aqui é que os laboratórios possibilitem que as pessoas se conheçam, compartilhem conhecimento, recursos e oportunidades, e consequentemente alcancem juntas as condições para uma produção relevante. É importante também estimular formalmente a cooperação entre iniciativas, possibilitando a formação de grupos flexíveis de laboratórios que desenvolvam projetos colaborativos em conjunto.
O programa Redelabs do Ministério da Cultura, implementado por uma parceria entre diferentes Secretarias, representa um caminho fundamental neste sentido, ao mobilizar expectativas, discursos e recursos para construir uma rede heterogênea de laboratórios. O programa surgiu em torno da articulação de uma rede piloto de laboratórios de arte e tecnologia que estão sendo implementados entre cinco universidades e um centro cultural em todas as regiões do Brasil. A respeito do projeto-piloto de Redelabs, a Profa. Malu Fragoso acredita que a proposta de articulação em rede “vem de encontro a uma necessidade de um apoio institucional e um apoio político, no sentido de dar visibilidade de um trabalho que está sendo feito e de estabelecer relações mais formais entre os parceiros que estão trabalhando com isso. Uma coisa é você estar fazendo seu trabalho na Universidade, encontrar um colega e resolver fazer uma obra conjunta, e outra coisa é você ter um programa, um projeto, onde há um compromisso, onde você sabe que aquilo vai ter um reconhecimento, uma visibilidade. Isso é muito importante. Senão a gente fica trabalhado e nada aparece. O mais importante seria que isso não ficasse apenas num período curto, que seja um programa estendido sem que a gente tenha que estar sempre reforçando a qualidade e importância do trabalho.” (FRAGOSO).
Mas iniciativas como o programa Redelabs não podem se limitar aos labs ligados a grandes instituições. Para além dos labs vinculados a Universidades, muitos outros espaços já existem e são bastante produtivos em suas áreas, mas é raro que sejam reconhecidos como possíveis beneficiários de políticas culturais. O que fazem enquanto laboratórios experimentais operando em rede é uma produção cultural de extrema relevância nos dias atuais. Frequentemente, estes labs desenvolvem ações distribuídas que incluem a ocupação de infraestrutura pública ociosa como salas de informática em escolas, centros de inclusão digital ou mesmo em praça pública. Por esse motivo, mais do que simplesmente prever infraestrutura tecnológica de alto padrão, é importante também criar maneiras de desburocratizar e otimizar a possibilidade de utilizar diferentes espaços como laboratórios experimentais. Parcerias educacionais, projetos de ocupação, chancela de órgãos públicos ou recursos - mesmo que de pequena monta - dirigidos às pontas desse cenário são alguns dos caminhos possíveis para facilitar o pleno desenvolvimento dos laboratórios em rede1. E nunca é demais repetir, é importante que eventuais iniciativas neste sentido sejam projetadas para uma duração maior do que atualmente ocorre.
A chave da cultura de abertura é o compartilhamento. Não somente, é importante ressaltar, a circulação da produção, mas o compartilhamento como metodologia presente em todas as etapas da produção cultural. Em outras palavras, não se fala aqui tanto no acesso à cultura quanto em um fazer social compartilhado e colaborativo.
Como já afirmado anteriormente, as iniciativas pioneiras da chamada cultura livre concentravam-se fundamentalmente na questão do licenciamento objetivo de produtos culturais acabados (em outras palavras, nas regras que condicionavam de que maneira determinado arquivo de áudio, texto ou vídeo poderia circular na internet). O eventual surgimento de um cenário baseado no compartilhamento seria uma consequência secundária, ainda que altamente esperada. Supunha-se desta forma que o fato de muitas pessoas distribuírem em rede os resultados de sua produção faria surgir espontaneamente um banco amplo e abundante de produção cultural encarada como bem comum.
Por conta de diversas condições também já tratadas anteriormente, é oportuno retomar e avançar estas ideias no sentido de uma cultura de abertura que se baseie na produção coletiva desde a concepção até a circulação da produção cultural. Para tanto, é necessário pensar em uma infraestrutura de comunicação que permita e incentive o compartilhamento em todas estas etapas. Isso passa por implementar soluções contemporâneas para identidade digital, autoria coletiva em diferentes mídias e plataformas, debate online, remix e integração com outros sistemas. É importante ter em conta a questão da propriedade dos dados pessoais e coletivos, e a medida na qual a identidade de uma tal plataforma (não somente identidade visual como também sua subordinação a programas de governo) pode incentivar ou coibir sua utilização pelos principais interessados. Por último, resta indicar que é importante dar atenção à cultura de uso. Idealmente, uma infraestrutura voltada ao compartilhamento deve criar mecanismos que possibilitem uma integração profunda com quaisquer ferramentas que seu público já utilize: redes sociais, ambientes de publicação de imagens, weblogs, microblogs, e muitas outras.
É sabido que a disseminação de tecnologias em rede possibilitou profundas transformações na maneira como as pessoas se comunicam, em praticamente todas as áreas da sociedade. Uma plataforma que incorpore as possibilidades acima, mesmo que inicialmente adotada por setores ligados à cultura digital e aos laboratórios experimentais, teria ainda o potencial de servir a outras áreas da cultura e demonstrar concretamente a cultura de abertura como estratégia de criação do comum.
Sobre as possibilidades de articulação em rede, Danillo Barata afirma: “Recentemente fui convidado para fazer uma curadoria para um instituto importante de arte e tecnologia, que quer que faça uma seleção de artistas no Brasil pesquisando corpo e tecnologia. Daí [se houvesse uma rede documentada] eu poderia ir lá no repositório e achar artistas do Acre, de Roraima, de lugares onde ninguém vai, e posso descobrir que o trabalho desses caras tem o maior diálogo com o meu. Tudo o que não acontece na prática, porque aquele pesquisador que está isolado lá pode estar dentro de um lugar, de uma rede de pertencimento, simbólica.” (BARATA).
É importante apontar, entretanto, que a existência de uma plataforma digital não garante o compartilhamento. É essencial que ela esteja ligada a uma estratégia de encontros presenciais e projetos de intercâmbio entre os laboratórios. Deve ainda associar-se a políticas continuadas de curadoria, incentivo à documentação e à gestão coletiva e distribuída de acervos digitais, exploradas a seguir. Além disso, critérios claros de compartilhamento aberto deviam ser previstos como contrapartida básica nos projetos incentivados de cultura digital experimental, e também podem ser entendidos como pauta de avaliação posterior, considerando a qualidade desse compartilhamento como um produto.
A promoção de um campo de atuação no qual a produção experimental e a produção crítica em cultura digital tenham papel central requer a existência de uma narrativa compartilhada por todos os seus diferentes atores, grupos e campos. Dada a enorme diversidade de iniciativas, aspirações, repertórios e campos do conhecimento envolvidos, essa construção requer um esforço continuado de pesquisa, documentação e troca. Além de formar uma identidade por entre a diversidade da rede de laboratórios, esse esforço auxiliaria a combater outro problema encontrado com frequência ao longo desta pesquisa: o desaparecimento de informações sobre projetos já realizados.
É sintomático da fragmentação deste cenário que eventos e projetos de grande importância das últimas décadas tenham pouca ou nenhuma documentação disponível para acesso, e ainda menos para reutilização e remixagem. Para atacar especialmente o desaparecimento deste legado, deve-se pensar em mecanismos de apoio ao resgate, organização, curadoria e disponibilização de acervos sobre cultura digital no Brasil.
A respeito da necessidade de ajudas específicas para pesquisa, a Professora Nara Cristina Santos afirma que “em se tratando da arte digital, como historiadora e teórica penso que o fomento poderia aparecer já como vem acontecendo em alguns momentos pela Funarte. Por exemplo com bolsas de pesquisa, para estudantes, mestrandos ou pessoas da comunidade, que tratassem de questões teóricas, historiográficas, ou curatoriais em torno da produção em arte e mídia digital. Essa questão é importante em função de que, se há um fomento para a produção prática ou artística, de um modo geral em diferentes áreas, que haja também para a arte digital, mas sobretudo que haja uma parte teórica para uma reflexão sobre essa produção, pelo fato de que há uma confusão na terminologia de áreas que se sobrepõem.” (SANTOS).
Por outro lado, é fundamental que a documentação de projetos futuros seja tratada com a devida importância. Para tanto, sugere-se desde implementar estratégias de documentação em editais de chamamento para recursos públicos até o desenvolvimento de um projeto permanente voltado ao mapeamento de iniciativas, estímulo à autodocumentação das mesmas e promoção de intercâmbio estruturado entre diferentes iniciativas - por meio de visitas e eventos em cooperação. Neste eixo, surgiriam oportunidades de intercâmbio não somente de resultados da produção, como também de metodologias de gestão cultural aberta entre os laboratórios.
Iniciativas como o programa Redelabs têm o potencial de disparar uma série de discussões contemporâneas que vão muito além das ações pontuais que executem. Para Guto Nóbrega, coordenador do lab NANO (Núcleo de Artes e Novos Organismos) da UFRJ e um dos integrantes da rede piloto do Redelabs,
“a gente não acha que uma rede se constitui por apenas ter acesso a um sistema de videoconferências, estamos tratando de uma coisa que envolve muito mais do que isso, há uma possibilidade aberta pelas redes, pela tecnologia do próprio ambiente estar conectado como um todo. Hoje você tem tecnologias como kinect, como drone, robóticas das mais variadas, a gente pode ter toda uma ecologia de agentes que compartilham e dão sentido a um laboratório ou toda uma espacialidade que poderia estar conectada. Essa é minha visão do que poderia ser um projeto como o de Redelabs: como tornar um laboratório a distância parte de um todo? Como interconectar as pessoas para se constituir como um espaço sólido, integrado para experimentação? As derivações disso é que se torne um modelo que pode ser aplicado, aberto para integrar toda uma comunidade que pesquisa nessa área.” (NÓBREGA)
Nesse sentido, tais iniciativas podem ainda ensejar e justificar uma série de colaborações entre diferentes instituições. Uma cultura digital orientada ao conceito de abertura poderia assim ser contemplada em outros programas e projetos do poder público. Isso envolveria, por exemplo, postular que projetos pertencentes aos eixos em questão neste estudo sejam atendidos também por mecanismos de outras Secretarias e órgãos associados ao Sistema Minc. Já existe um diálogo em andamento no âmbito do programa Redelabs sobre projetos como os Laboratórios dos CEUs das Artes e as Incubadoras Brasil Criativo, os Núcleos de Produção Digital e os Pontões de Cultura Digital. Mas esta conversa também pode repercutir, por exemplo, no Edital de Intercâmbio e Difusão Cultural da SEFIC, em ações com Pontos e Pontões de Cultura, ou em projetos de pesquisa da FUNARTE, em políticas para museus e bibliotecas públicas, entre tantos outros.
Para Cleomar Rocha, diretor do Medialab UFG, “nessa concepção de um Ministério da Cultura para dar acesso a toda a sociedade, é o ponto que nós devíamos focar. Principalmente pegando a capilarização das ações que são apoiadas pelo Ministério para que alcancem de fato a população. Ao respeito da cultura digital, nós superamos essas distâncias, rizomatizamos as instâncias de núcleo e localizações marginais de modo que isso não interfere grandemente no acesso aos bens culturais. Acredito que se conseguirmos, com redes já formadas, alcançar essa capilarização de acesso à cultura, teríamos algo fundamental que pode alterar o sentido de cultura brasileira. […] Mais do que pensar cultura para artistas, vamos pensar a cultura para a população em geral e o uso dos ambientes digitais é imperativo para que a gente alcance essa capilaridade.”
Outro caminho promissor para os laboratórios experimentais trabalhando com uma cultura digital da abertura são as potenciais parcerias com outros ministérios. Por exemplo: o artista e gestor Bruno Vianna sugere que “a política de cultura de maneira geral poderia estar mais integrada com o Ministério da Ciência e Tecnologia, pensando em estimular a cultura e a ciência como coisas integradas e não separadas.” Acredita-se que outras parcerias também poderiam surgir junto ao Ministério da Educação, das Comunicações, para ficar somente em poucos exemplos. O mesmo se aplica para parcerias com estados e municípios. Uma vez que se construa uma narrativa comum, que se esclareçam as formas de participação na rede de laboratórios e que se explicitem os argumentos em favor de uma cultura de abertura orientada à produção experimental e à produção crítica, imagina-se que haverá muitas oportunidades para esse tipo de parceria.
1Neste sentido, o edital Redes e Ruas da Prefeitura de São Paulo é um interessante exemplo onde esta concepção já está presente. Ele promove assim a realização de diversos tipos de ações experimentais em praças públicas, telecentros e pontos de cultura do Município.
Coordenador de cultura digital do equipamento público CUCA Che Guevara em Fortaleza, integrante do Colegiado Setorial de Arte Digital e Conselheiro titular de Arte Digital no CNPC. Amoreira teceu comentários sobre as recomendações feitas anteriormente, no segundo produto deste levantamento.
“O poder público apresenta descompassos históricos em relação aos processos de fomento àquela produção artística e cultural que se dedica à experimentação e às iniciativas laboratoriais. Para a máquina pública - paquidérmica, ultraburocrática e avessa a estruturas fluidas - os instrumentais de monitoramento, os modos de aferição de resultados à natureza das ações experimentais (com maior ênfase no processo e menor destaque ao produto cultural gerado) contrariam a cartilha cultivada durante anos de normatizações baseadas nos modelos da Era Industrial. A descontinuidade de Programas de Incentivo, Editais e outras formas de acesso a recursos públicos voltados para áreas que promovam a interface entre Cultura, Ciência, Tecnologia, Inovação é sintoma desse anacronismo. Gestões progressistas apresentam um pacote de soluções que aponta para os pontos mais sensíveis das redes de conhecimento emergentes e, durante algum tempo, injetam expectativas e estimulam a produção. No entanto, ao término dessas gestões, ou diante de reveses políticos, tais arquiteturas mostram-se frágeis e excessivamente dependentes de concessões nem sempre renováveis.
Uma saída possível para esse perverso círculo de avanço/retrocesso é o empoderamento de agentes culturais, grupos, coletivos, pesquisadores, artistas e outros personagens que, para além do patrocínio eventual proporcionado pela ativação de determinada ferramenta de acesso a incentivos (editais, prêmios, chamadas públicas...), conseguem manter uma ação criativa e produtiva. Desse modo, a intervenção do Estado seria mais pontual e mais estruturante, possibilitando o surgimento de Redes Autossustentáveis. Uma Rede fortalecida pressupõe, ao longo do tempo, trocas diversas de mútua afetação, decantação e remixes (Residências, Intercâmbios, Itinerâncias), mas também requer criação e processamento multilocal, com acessos instantâneos imediatos, garantidos por conexões de alta velocidade que permitam a dissolução da autoria dentro de um fluxo criativo com múltiplos agentes não-circunscritos a limites geográficos e culturais. Nesse momento, a sustentabilidade da infraestrutura necessária para esse propósito se apresenta como um desafio que requer atenção.
Possivelmente, a vinculação orçamentária de um programa estruturante para a área de encontro entre Arte, Cultura e Tecnologia e Inovação dentro do Fundo Nacional de Cultura garantiria, como Política de Estado (e não Política de Gestão) que os processos pudessem atingir o ponto de maturidade necessário para conquistar a autonomia ou reduzir de forma significativa sua dependência de recursos públicos.
No momento, a Setorial de Arte Digital está no processo de construção, através de diversas consultas públicas, do Plano Nacional de Arte Digital. Diversas diretrizes apontam na direção da estruturação e autonomia. Se os processos democráticos previstos seguirem a agenda pactuada, também contaremos com esse documento para colaborar na instituição das políticas públicas de Arte e Cultura Digital.”
Artista interativo e gestor da Nuvem – estação rural de arte e tecnologia
“Acredito que a política de cultura de maneira geral poderia estar mais integrada com o Ministério da Ciência e Tecnologia, pensando em estimular a cultura e a ciência como coisas integradas e não separadas. Tem espaço para diversas formas de apoio para espaços independentes, acho que podem ser editais ou outros apoios para eventos. Seria muito importante que houvesse uma iniciativa para manter esses lugares como pontos de cultura, porque de certa forma o tipo de apoio que se dá a um ponto de cultura para manter uma infraestrutura durante alguns anos é exatamente o tipo de apoio que esses lugares precisam. Mas também é bom ficar atento para a possibilidade de apoiar eventos, residências, encontros específicos.
Acho também importante que esse apoio esteja atento porque muitos espaços são informais, nem sempre vai ter uma instituição constituída há 2 ou 3 anos, com CNPJ, e tudo isso. Então, quanto mais desburocratizado, pode ser melhor. Teve algumas experiências como o Interações Estéticas, que desburocratizava muito os apoios, e por outro lado é muito bom o apoio a instituições da academia, ou dentro do governo instituições como a Funarte, pensando nos espaços de que o governo já dispõe e enxergando como potenciais espaços de experimentação coletiva, de laboratório, de pesquisa de linguagem, tecnologia, arte e cultura. Na medida em que esses espaços existem e estejam abertos à colaboração com instituições e outros espaços da sociedade que não estão consituidos formalmente, poderia haver um apoio, uma maneira de você existir, de fazer eventos através do apoio a lugares mais institucionais do governo que estejam abertos a essas parcerias. Fora o apoio de conexão a internet, formação de pessoas, oficinas, esse tipo de ação que faz parte das ações do governo.”
“Para mim inovação sempre esteve ligada a compartilhamento de informação e troca de experiências, porque geralmente um inventor não trabalha sozinho, trabalha a partir de outras experiências. Tem por outro lado as pessoas que precisam dos inventos, das inovações. Dentro de um ecossistema muito fechado a inovação vai ser sempre mais travada, e vai haver mais obstáculos para ela acontecer naturalmente. Ao proporcionar espaços para inovação, geralmente eles darão mais frutos se você não estiver fazendo essa inovação dentro de uma perspectiva empreendedora, porque por mais que a recompensa do emprendedorismo pareça ser mais interessante, a falta de colaboração e cooperação pode travar essa inovação. Então, quando a gente vê a inovação acontecendo em Universidades, sabemos que isso é mais por efeito de trabalhar e estar pensando juntos do que na perspectiva de lucrar com uma invenção. Acho que dentro desse aspecto de inovação colaborativa falta a gente proporcionar esses espaços e ambientes de troca onde essas coisas vão acontecer. Sejam espaços físicos, sejam encontros, sejam redes. E por fim acredito que falta inclusive adotar uma política pensada no cooperativismo não só como modo de vida, mas como uma organização social que pode dar apoio a um modelo de compartilhamento, de gestão compartilhada e autônoma, que as empresas nem sempre podem dar. Geralmente o que acontece é que as políticas de governo, especialmente as de cultura, têm focado muito na economia criativa, sem pensar que o cooperativismo também está dentro da economia.”
Nara Cristina Santos, da UFSC, coordenadora do lab de pesquisa em arte, tecnologia e mídias digitais, e da área de concentração e pesquisa em história, teoria e crítica da arte, trabalhando questões de arte contemporânea, arte e tecnologia digital.
“Inicialmente a gente precisa fazer uma distinção. Nós estamos tratando da arte digital, não da cultura digital, tanto é que temos um colegiado da arte digital. Nós entendemos que deve haver um espaço separado da cultura digital. Em se tratando da arte digital, como historiadora e teórica penso que o fomento poderia aparecer já como vem acontecendo em alguns momentos pela Funarte. Por exemplo com bolsas de pesquisa, para estudantes, mestrandos ou pessoas da comunidade, que tratassem de questões teóricas, historiográficas, ou curatoriais em torno da produção em arte e mídia digital. Essa questão é importante em função de que, se há um fomento para a produção prática ou artística, de um modo geral em diferentes áreas, que haja também para a arte digital, mas sobretudo que haja uma parte teórica para uma reflexão sobre essa produção, pelo fato de que há uma confusão na terminologia de áreas que se sobrepõem.
Hoje por exemplo a Funarte tem editais para as artes visuais, para música, cinema, fotografia, etc. Mas não tem um específico para produção em tecnologia e arte digital, então no momento em que existem nas Universidades e nos espaços privados também pessoas interessadas ou mesmo iniciando uma pesquisa na área, é fundamental que exista um fomento específico para essa produção que não se misture com as demais produções. Até porque o próprio espaço da cultura digital, tão abrangente como se propõe, englobaria música digital, arte digital, cinema digital. Então nada mais justo do que nós, que já temos um colegiado da arte digital, possamos contar também por exemplo, no âmbito da Funarte, com um espaço próprio da arte digital. Tem muito artista produzindo e querendo produzir. Os equipamentos hoje não são tão caros como 20 ou 30 anos atrás. No entanto ainda existe uma demanda que não é só de hardware, é de software também, o trabalho colaborativo que envolve engenheiros, informáticos, designers, matemáticos, biólogos, é um trabalho que tem uma necessidade de verba. Então se o Brasil pretende se estabelecer como um país de vanguarda em termos políticos, que seja culturalmente também. Não dá para perder o trem da produção digital.”
“Se a gente pensar na cultura de modo geral, pode-se dizer que envolve a arte, cinema, circo, etc. Mas quando se fala de cultura digital, o termo digital tem um peso que a gente poderia entender como um vasto campo de cultura que envolve as tecnologias digitais. No entanto, na hora de buscar verbas, de estratégias de fomento, há uma sobreposição da força da cultura digital em relação à arte digital. E como nós temos um colegiado separado, o que nós queremos é esse reconhecimento. Não somos contra a cultura digital, muito pelo contrário, nos sentimos envolvidos nela. No entanto queremos enfatizar a necessidade de um olhar específico para essa produção em arte digital, e existe uma certa dificuldade do Minc em entender isso, até porque as pessoas vão mudando, os cargos vão passando. Desde 2009 quando comecei a participar do GT a gente já vinha fazendo um processo que era quase uma alfabetização da arte digital. Fizemos isso na Funarte em dois momentos. Amanhã Andreia tem uma reunião na Funarte de novo porque mudaram as pessoas. Então há um cansaço de energia depositada numa demanda que não vem sendo atendida ainda.”
Andreia Machado Oliveira é professora na UFSM, onde coordena o laboratório interdisciplinar interativo. Faz parte do Colegiado da Arte Digital, como representante da região Sul junto com a professora Nara. É conselheira suplente de Arte Digital no CNPC.
“O Colegiado Setorial da Arte Digital tem pensado essas políticas públicas no sentido sempre da formação, da produção, distribuição, e da preservação da arte digital. A gente percebe que há um desconhecimento dentro do Minc sobre o próprio campo, então nosso primeiro movimento é de construir simbolicamente esse campo da arte digital. A gente vê em alguns discursos e falas essa perspectiva que a Nara estava colocando de inovação do país, que é importante trazer a tecnologia para dentro da cultura, mas na verdade o campo específico que vai trabalhar com essa tecnologia é o campo da arte digital.”
“Acho importante esclarecer bem esse projeto que se transformou em um programa. Do meu ponto de vista esse programa é um movimento da cultura digital, há uma trajetória deles neste sentido de pensar essa inclusão digital, como trabalhar a tecnologia no nível da cultura, que é algo bem amplo. E dentro dessa questão, tem um movimento que é a implementação dos laboratórios de arte e tecnologia que diz respeito à meta 43 do PNC. É nesse local que estamos situados. Redelabs está contribuindo para a arte digital na implementação desses laboratórios. A perspectiva é que o Redelabs conecte as produções diversas na área digital, inclusive a arte e tecnologia, o que acho muito positivo, mas fazendo essa diferenciação. Essa implementação dos cinco laboratórios foi um projeto que teve apoio do colegiado da arte digital, no sentido de pensar que esses laboratórios deviam ser implementados de forma descentralizada, nas cinco regiões do país, e que deviam estar contemplando pesquisas que já estariam ocorrendo nas Universidades, mesmo que essa produção esteja hoje vinculada a uma verba do MEC mais do que uma verba do MINC, sendo que é uma área da arte também.”
“É importante essa parceria da cultura digital para a arte digital, porque ambas podem se beneficiar com isso de diferentes maneiras. Mas se a gente entende que a arte digital é a cultura digital, a cultura digital é muito ampla, e aí nós não obteremos fomento para a produção da arte digital, que é muito específica. Nosso sentido de fazer esse recorte é justamente para que conseguir criar esse campo da arte digital dentro do Brasil, que em outros países tem uma produção e investimento político na área, estamos tentando reconhecer a área e pensar políticas públicas para o setor.”
Artista e Professora da Escola de Belas Artes da UFRJ, onde coordena o grupo de pesquisa NANO (Núcleo de Artes e Novos Organismos) junto com Guto Nóbrega.
“Para nós é muito importante ter esse tipo de subsídio porque nós já estamos dentro do NANO fazendo esse tipo de trabalho em rede que é praticamente nosso foco principal. Tudo o que fazemos gira em torno desse espaço de conexão. Então o Redelabs vem de encontro a uma necessidade de um apoio institucional e um apoio político, no sentido de dar visibilidade de um trabalho que está sendo feito e de estabelecer relações mais formais entre os parceiros que estão trabalhando com isso. Uma coisa é você estar fazendo seu trabalho na Universidade, encontrar um colega e resolver fazer uma obra conjunta, e outra coisa é você ter um programa, um projeto, onde há um compromisso, onde você sabe que aquilo vai ter um reconhecimento, uma visibilidade. Isso é muito importante. Senão a gente fica trabalhado e nada aparece. O mais importante seria que isso não ficasse apenas num período curto, que seja um programa estendido sem que a gente tenha que estar sempre reforçando a qualidade e importância do trabalho. Então um programa já representaria o reconhecimento dessa importância, a possibilidade de termos um apoio institucional nesse sentido. E também significaria uma importante posição política dentro dos editais e das propostas que o governo oferece, para que a gente possa vir a concorrer, a partir de um trabalho sendo legitimado e reconhecido pelo Ministério da Cultura, da educação. É importante essas coisas terem nome, lugar, identidade e poderem ser referidas como um trabalho de qualidade. É muito importante para a gente na arte ter isso.”
“A nossa necessidade é de programas e projetos, principalmente editais que abram espaço para que tenhamos visibilidade e a partir disso dar um passo maior de organização entre os próprios artistas que estão desenvolvendo nessa área para um diálogo com as políticas públicas. E as políticas públicas têm que criar uma infraestrutura para a gente trabalhar.
A sensação que temos é que não existe interesse em abrir mais espaços, porque significa mais dinheiro, mais editais, mais distribuição, e uma fatia do bolo tem que ir para um novo segmento que está esperando esse seu espaço. Quem é que vai abrir mão dessa fatia do bolo? Essa disponibilidade não vai partir dos artistas que estão trabalhando, tem que partir de uma legitimação e reconhecimento das políticas de que essa área existe e precisa trabalhar, e essa área só não está apagada dentro do contexto porque as novas tecnologias estão em todo lugar.”
“Cabeamento físico, espaço físico de qualidade com salas acusticamente preparadas, computadores com capacidade de renderização e processamento em alto nível, placas de vídeo que possam nos oferecer uma imagem em 3D, trabalhar com um material onde você não tenha que estar sempre se desculpando pela falta de condições. Como você vai mostrar a sua produção cultural internacionalmente ou até nacionalmente em diferentes níveis quando não tem a condição para isso? A gente não tem como bancar um equipamento de laboratório de qualidade. E isso é importante porque no lab você não só produz, mas você expõe. Você traz pessoas da comunidade pro seu laboratório, você convida alguém para vir e produzir no seu laboratório.”
“É um evento que começou tímido no térreo da universidade convidando artistas, pessoas inovadoras, pessoas interessadas no sistema de rede e de conexão em rede. Não é só ter um equipamento conectado na internet mas você trazer essa conexão para um interesse coletivo e produzir a partir dessas colaborações. Nós queremos ver o que isso gera. Queremos produzir conteúdo para essa conexão. E esse conteúdo muitas vezes não está dentro da Universidade, está na vida de todo o mundo. Então o evento hiperorgânicos é um momento, uma atividade extensionista de universidade, em que a gente abre o nosso laboratório e abre o que desenvolvemos durante o ano para que em cinco dias compartilhar com as pessoas que também estão fazendo coisas similares em outros lugares do Rio, do Brasil e do mundo. Porque estando em rede você consegue fazer esse compartilhamento. É um momento muito importante onde partimos do princípio dessa hibridação do natural e artificial, do orgânico e inorgânico. Nós temos uma linha de trabalho no NANO, o que não é uma coisa excludente, mas é uma provocação para nossos amigos e parceiros. Essa colaboração gera uma série de descobertas e é muito bom, você encontra pessoas que estão trabalhando com isso, encontra soluções novas para as coisas que você está desenvolvendo, essa troca é fundamental. O hiperorgânicos é esse momento de laboratório aberto onde as pessoas são convidadas a trazer os seus trabalhos, suas pesquisas, seus processos para compartilhar esses processos, e não apenas o resultado. Eu quero saber como o trabalho aconteceu. Todo o nosso trabalho artístico hoje é derivado de processos e processos complexos. E a gente não consegue dominar tudo, então essa colaboração e compartilhamento é fundamental para que a gente entenda até o nosso próprio trabalho.”
Coordenador do Núcleo de Artes e Novos Organismos (NANO) da Escola de Belas Artes da UFRJ.
“O que a gente propõe com o Hiperorgânicos é a construção de um espaço que se dá por três dias, e durante esses dias o espaço se torna um espaço para processos. As pessoas são convidadas para trazer o que elas estão experimentando. É uma construção que se dá ao longo de um ano, mais ou menos. A gente começa articulando com os artistas, tanto do meio acadêmico quanto fora do meio acadêmico, não é restrito a instituições de ensino. Na verdade a gente viu que as outras pessoas estão fazendo e convidamos as outras pessoas, e o espaço está totalmente aberto para intervenção. Ao mesmo tempo que tem essa abertura e tem um processo que traz junto várias classes de ações dentro desse contexto da arte e da cultura digital, é também um modelo muito forte de pesquisa, porque para construir esse espaço de experimentação é necessário um momento sobre o qual você não tem sobre aquele espaço, sobre aquele fazer, uma cobrança de resultados. A gente permite criar uma janela no tempo para que esses processos venham à tona e que a gente possa gerar um olhar coletivo para eles.”
“Acredito que o Redelabs tem como vocação o fomento da produção de conhecimento no contexto das redes de informação, no uso da telemática, para facilitar a pesquisa nessa área. Então faz todo sentido você ter uma rede de labs interconectados e produzir processos que se valham dessa interconectividade. Para isso você precisa de toda uma estrutura de TI para dar suporte ao acontecimento dessa rede. Essa é uma coisa. Os laboratórios envolvidos nesse processos são conhecidos dentro dos fóruns de discussão acadêmica, já há uma relação institucional que faz sentido juntar esses laboratórios para usar essa facilidade de TI e proporcionar um ambiente no qual você possa pesquisar a rede em toda a sua amplitude, não só em termos tecnológicos mas em termos de poéticas, na pesquisa artística. Por outro lado, o Redelabs é uma configuração da RNP com o Minc que extrapola esse aspecto de pesquisa específico no contexto da rede, porque pensa também incluir nessa rede outros agentes que estão fora dessas instituições. Mas acho que para pensar nessa inclusão ou um contexto mais amplo é preciso pensar o que é específico, e agora o específico é resolver questões muito básicas. Por exemplo hoje a gente tentou fazer uma conferência de uma rede internacional que está se formando de pesquisa e a gente teve vários problemas técnicos, e não conseguiu fazer essa comunicação. A gente não acha que uma rede se constitui por apenas ter acesso a um sistema de videoconferências, estamos tratando de uma coisa que envolve muito mais do que isso, há uma possibilidade aberta pelas redes, pela tecnologia do próprio ambiente estar conectado como um todo. Hoje você tem tecnologias como como kinect, como drone, robóticas das mais variadas, a gente pode ter toda uma ecologia de agentes que compartilham e dão sentido a um laboratório ou toda uma espacialidade que poderia estar conectada. Essa é minha visão do que poderia ser um projeto como o de Redelabs: como tornar um laboratório a distância parte de um todo? Como interconectar as pessoas para se constituir como um espaço sólido, integrado para experimentação? As derivações disso é que se torne um modelo que pode ser aplicado, aberto para integrar toda uma comunidade que pesquisa nessa área. Então como a Universidade é genuinamente esse campo do saber, de produção de conhecimento... porque ao falar de laboratório, uma coisa é você criar facilidades laboratoriais fora do escopo da universidade, o que envolve todo um investimento de capital, de empresas, que gera outra configuração de necessidades e estratégias. A Universidade tem seu espaço definido, suas agências de fomento, que facilitam a construção de laboratórios de porte sofisticado que permitem ter uma estrutura de rede facilitada para isso. Por isso a gente acha muito genuíno uma pesquisa dessas nascer numa universidade. Agora logicamente isso se desdobra como qualquer produto com um potencial de conhecimento que extrapola seus domínios, e aí vem o papel da extensão. Na questão do Redelabs, o nome em si me remete a laboratórios de pesquisa interessados em pesquisar processos telemáticos e mais ainda especificamente no contexto da arte.”
Videoartista e curador. Atualmente é diretor do Centro de Cultura, Linguagens e Tecnologias Aplicadas (CECULT) da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Danillo teceu comentários sobre as recomendações feitas anteriormente, no segundo produto deste levantamento.
“A base desse primeiro ponto é pensar um repositório. Acho que não precisa ter cara de blog, mas que seja um lugar como se fosse uma Plataforma Lattes, onde você encontra todos os pesquisadores se você quiser pesquisar sobre qualquer tema. Uma possibilidade de verificar o pesquisador, o grupo de pesquisa, os temas que te interessam. Poderia ser uma base aos moldes dessa plataforma [Lattes] e que tivesse esse repositório das práticas, com as pesquisas, artigos publicados, link para a documentação disso em vídeo, pdf, etc. Esse repositório precisaria ter um tratamento, assim como o Lattes é feito pelo CNPJ. Então acredito que o Minc junto com outros ministérios como o da Ciência e Tecnologia pudesse implementar um sistema de busca e salvaguarda desses materiais que às vezes necessitam dessa arqueologia imediata. Muitos projetos não estão visíveis, muitos até financiados pelo próprio governo por meio de leis de incentivo não previram isso naquela ocasião, então parte dessa produção poderia estar disponível em formato digital. Uma unificação de um sistema como esse, de pensar um repositório, uma base de pesquisa, e essa relação precisa ser do Minc junto com o Ministério da Ciência e Tecnologia, com o Ministério da Comunicação, naturalmente com um certo protagonismo do Minc pela transversalidade, pela aderência e capilaridade da área que está envolvida.
Hoje se quiser encontrar um pesquisador, professor, artista com temas que sejam caros a minha pesquisa, da minha área, consigo localizar lá no Lattes. Se procurar um grupo de pesquisa sobre esse tema também posso encontrar lá. Naturalmente ainda não existe no Lattes um espaço em que eu possa me conectar com esses arquivos. Não tem um link onde baixar um pdf, ou assistir a um vide-o, mas pode linkar para o grupo ou o pesquisador que pode vincular o conteúdo. Acho que um modelo de repositório para esta área pode ser mais complexo e interessante do que um Lattes. Que envolva conteúdos, mas também uma parte em que as pessoas possam elas mesmas construir seus perfis. Hoje temos aquela enciclopédia do Itaú, eles contratam redatores para escrever os verbetes mas acho que valeria a pena hoje um pesquisador que tem interesse e produção, ele fazer por si mesmo, cadastrar-se e poder incluir o conteúdo. Talvez seria uma grande rede social para juntar essas pesquisas, links, sites. Penso num repositório vivo, em conexão com a vida das pessoas, e que converse com a rede social e outras plataformas.
Muitas vezes esses projetos entram nas discussões de linguagem, e vira a coisa da 'arte digital', mas acho que estamos falando de algo muito maior do que isso. Temos que pensar a cultura digital como um todo, como um grande guarda-chuva e a arte digital compõe essa cena.”
“Seria oportuno pensar nessas conexões, a grande história é como pegar essas competências, essa infraestrutura que está dispersa hoje e colocar essa infra e pesquisadores que estão dispersos e se encontram eventualmente em alguns congressos acadêmicos ou artísticos no Brasil, até com uma certa periodicidade. Mas colocá-los de forma orgânica, conjuntamente pesquisando e trocando para além da burocracia acadêmica. Essa plataforma que estamos discutindo pode ser um grande barato. Por exemplo: estou produzindo em Cachoeira hoje, e tenho um grupo de pesquisadores e alunos e vou ter um ambiente dentro da minha plataforma digital do repositório onde coloco a minha pesquisa em desenvolvimento. Apresento essa pesquisa, faço um vídeo, e coloco para que outras pessoas possam colaborar. E aí a pessoa vai lá e faz uma proposta de colaboração, pensa uma ideia, ou compartilha o que está acontecendo em outro país, com outro grupo. Então você começa a criar conexões daquilo ali. Eu só consigo pensar num ambiente digital, numa plataforma para que essas coisas efetivamente possam acontecer, como uma rede social que seja bem focada nisso. Hoje passo boa parte do meu tempo vendo o que meus colegas estão fazendo, trocando ideia com eles, e hoje a gente conhece muito pouco do que está rolando em outros lugares. A gente precisa dar forma a isso. Então se você criar um ambiente onde tudo isso está posto, onde pode identificar os pequisadores, bolsistas envolvidos, conteúdos, etc, grupos que não necessariamente estão vinculados à academia, mais autônomos, isso caminha mais para uma grande plataforma de rede social focada em artes do que outra coisa.”
“Se a gente pensar que hoje temos um espaço onde conectar com coletivos, pesquisadores, com criadores autônomos, se quer-se criar uma rede grande de troca de cultura digital, pode-se pensar num ambiente com espaço para galeria virtual onde mostrar trabalhos. Até para potencializar encontros presenciais, uma agenda, salas de encontro, criando perfis. Nada disso é novo, estou fazendo uma metareciclagem do que já existe. Se você cria um perfil que você mesma alimenta, onde pode fazer uma migração de dados, pode colocar seus vídeos, portfólio, e seu grupo pode estar ali e ter um espaço de publicação e de encontro com temáticas específicas, numa plataforma bacana que permita ter um registro disso e que vire um grande lugar de referência. Naturalmente vai precisar de uma política para mediar isso. Hoje como pesquisador sinto falta disso, de um espaço como esse, porque hoje o que a gente faz é olhar o site do colega, trocar uma ideia por e-mail ou numa rede social, mas acho que falta um repositório onde centralizar a pesquisa brasileira ligada a grandes centros de pesquisa mas também os independentes e marginais, listas livres, espaços temáticos, etc.
Uma rede social para buscar parceiros para desenvolver coletivamente meu trabalho, para conseguir financiadores, que permita depois fazer uma curadoria de trabalhos compartilhados. Ou seja, um banco de dados vivo, que permita dar visibilidade a essa produção. Claro que isso não quita a importância dos encontros presenciais, mas acho que hoje a gente vive num gueto tão hermeticamente fechado e tal. Enquanto os trabalhos na área da cultura digital, se você não tem uma gameficação desses processos, parece que aquilo tudo não sobrevive. Acho que a gente precisa ter espaços para apresentar esses trabalhos, proposições, interações desses trabalhos e até que os próprios artistas façam sua autorregulação, que ele possa se associar com outro por afinidades, e não forçando a barra. E é super legal ter um espaço de debates, de acúmulo, de encontro, de pensar juntos, de aquilo estar como uma célula em desenvolvimento com outros artistas e pesquisadores. Não sei se tudo isso é uma utopia. Hoje paro muito para pesquisar as pessoas que gosto, que me interessam, quando vou num congresso não vejo tudo, seleciono o que eu quero ver. Então se eu tiver um lugar dentro dessa cena da arte e da cultura digital onde eu posso pensar quais artistas me interessam, selecionar eles e conseguir acompanhar por meio dessa plataforma de maneira sistemática, acho q seria maravilhoso. No longo prazo isso é muito bom. Imagina, recentemente fui convidado para fazer uma curadoria para um instituto importante de arte e tecnologia, que quer que faça uma seleção de artistas no Brasil pesquisando corpo e tecnologia. Daí eu poderia ir lá no repositório e achar artistas do Acre, de Roraima, de lugares onde ninguém vai, e posso descobrir que o trabalho desses caras tem o maior diálogo com o meu. Tudo o que não acontece na prática, porque aquele pesquisador que está isolado lá pode estar dentro de um lugar, de uma rede de pertencimento, simbólica. A CAPES agora está com a plataforma Sucupira, a gente precisa pensar nessa plataforma que envolva essa nossa área, isso me faz falta hoje, de ter um lugar mais dirigido para isso.”
“Se a gente está trabalhando sobre a ideia de uma plataforma onde esses conteúdos se trabalham sem ter necessidade de uma presença física, a residência permitiria que você possa vivenciar isso presencialmente num espaço curto de tempo, para apresentar um trabalho, mas quando você cria uma conexão que existe a partir de uma rede que já está estabelecida, entende muito bem como o grupo trabalha, você pode fazer uma proposição mais produtiva do que você chegar lá [na residência] e passar um tempo se adequando e conhecendo as pessoas, sacando o lugar. Pode ser muito mais bem dirigido. Adoro as residências, acho que é um momento em que você pode produzir muito melhor, com bastante cuidado e carinho, e acho importante ter uma linha de apoio como essa, por exemplo gerando bolsas específicas. E que os labs possam gerenciar isso, ou então uma comissão multidisciplinar de labs possa fazer uma troca entre projetos, pesquisadores, desenvolver coisas conjuntas.
Estou falando muito em Universidades porque hoje é meu âmbito de ação, mas pode ser um lugar que não tenha nada a ver com isso. Hoje você tem nas Universidades condições de ter laboratórios bem estruturados, com rede, com tudo, mas você tem problemas de como hospedar, de como pagar um cachê para a pessoa, para que ela possa ter uma estrutura, esse tipo de coisas. Quando o cara é um pesquisador senior consegue uma ajuda específica, ou como professor visitante. Mas quando ele não é, quando é um artista mesmo, é muito mais difícil. A gente esbarra nisso cotidianamente. Porque até passagem aérea conseguimos, mas como você pode hospedar a pessoa, o cachê, as diárias para manter a pessoa ao longo de uma residência numa Universidade? Isso do ponto de vista institucional. Mas se pensarmos em outras estruturas, como a Nuvem [Laboratório rural que já foi retratado no primeiro produto deste levantamento], isso tem custos fixos para cobrir, e precisa de uma grana pra isso. Então talvez o grande diferencial poderia ser pensar uma cota fixa como as agências de fomento colocam: bolsas específicas, às vezes de produtividade de pesquisa, para o incentivo de vários grupos e aí talvez fosse uma coisa mais dirigida mesmo. Pensar de forma multidisciplinar. Se tiver um grupo que eu já tenho afinidade para colaborar, é muito bacana ter as condições para poder fazer isso. As ajudas hoje são muito espaçadas e não têm continuidade, e isso quebra inclusive porque estamos trabalhando em redes. Mas as redes precisam de alimentação cotidiana, precisam ser alimentadas.”
“A gente faz isso o tempo todo, quando sabemos que vem um pesquisador tentamos dividir uma passagem internacional com outros parceiros, naturalmente se você tem um espaço onde dialoga com um colega e pensa junto em trazer alguma pessoa de fora para fazer um trabalho, um pode conseguir as passagens aéreas, outro as diárias e hospedagem, e por aí vai. Essa cooperação é saudável pra caramba pra gente. Mas valeria a pena ter um espaço onde colocar de maneira clara isso, porque hoje isso funciona informalmente por meio da nossa rede de amigos, onde a gente comunica entre nós quem estamos pensando trazer para ver se o outro pode aproveitar também para convidar uns dias para ir pra lá. Às vezes fica muito em cima e é difícil criar uma estratégia para isso. Mas se houvesse uma forma de potencializar a vinda de uma pessoa e a circulação dela entre projetos, espaços, residências ou galerias seria muito legal.”
“É importante essa retomada da discussão sobre infraestrutura, de religar esses labs por meio de fibra ótica, uma troca de infraestrutura. Acho que precisam ser criados esses espaços de laboratório, nós aqui em Cachoeira recebemos e produzimos uma série de eventos importantes que envolvem a arte e tecnologia e artemídia, a gente traz muitos artistas, mas a gente acha que às vezes fica muito circunscrito, poderia ser potencializado por uma rede afetiva de laboratórios. Mais do que um edital de redes de laboratórios, tem que funcionar por afinidade, ampliar essa política. Isso depende da afinidade, de conhecer o trabalho do outro. Também é importante ter um monitoramento do resultado disso, se isso realmente impactou na comunidade, quantas pessoas da comunidade participaram disso, o que ficou para a instituição, são essas coisas que a gente precisa reforçar e ampliar dentro dessa política. A gente precisa agora é potencializar o que foi gestado nessas instituições e ampliar, com capilaridade no Brasil inteiro, sobretudo 'interiorizando' mais.”
“As propostas formuladas aqui têm completa aderência com as metas. Não tenho participado muito das discussões atuais do pessoal que está lá agora no CNPC, porque não consegui acessar ao conteúdo das ações e debates do colegiado. Patricia Canetti tinha costume de dividir mais os debates, minha participação no colegiado foi na passagem entre a Patrícia e a tomada de posse dos novos representantes conselheiros. E de lá pra cá, não tenho conseguido ver o que eles produzem lá.”
“A proposta de um laboratório aberto, sem um formato predefinido, é fundamental. Ainda é comum um apego à ideia de ter equipamentos, sem levar em consideração o contexto. Isso é um dos vícios da tecnofilia. Discute-se se o equipamento é 'legal', os aspectos técnicos da coisa, e não se referencializa o contexto. Utilizando alguns exemplos que venho discutindo para distintas propostas noto isso. Não é má-fé por parte das pessoas, mas simplesmente aquela ideia de 'chama aquele cara que sabe de tecnologia lá em Porto Alegre que ele manda uma lista bacana de equipamentos'. Sem se pensar onde as coisas serão mantidas, para dizer o mínimo. Antes se deveria pensar: haverá massa crítica para utilizar o equipamento? Espera-se ter esse grupo utilizando estes equipamentos plenamente ou é montar um estúdio de edição de vídeo para 'caso alguém queira fazer um documentário um dia'? Pense no caso do vídeo. Uma câmera profissional custa caro, exige uma ilha de edição boa (mais custos). Mas será que existe esta necessidade no contexto? Vale a pena transformar um local de acesso livre em uma fortaleza porque você tem um equipamento de vídeo com um custo altissimo que nem se sabe se será utilizado? Às vezes o local nem tem condições boas de armazenamento, o material fica lá recebendo umidade, pó. E arrumar isso exigiria uma reforma do edifício que seria impossível no momento. Resumindo, parece óbvio mas é sempre bom lembrar que a tecnologia não independe destas questões mais cotidianas e que implicam na própria viabilidade do lab.”
“A falta de continuidade nos programas é algo que desanima e impossibilita que as propostas possam até mesmo ser avaliadas. Se houver a compreensão de que estamos tratando de um projeto que envolve formação (não necessariamente educação, pelo menos não educação formal) fica mais fácil entender a relevância disso. E também seria mais fácil sair da dicotomia produto-processo que existe nas artes e no design (pensando na economia criativa como mais interessada no produto e as artes digitais no processo). Os labs que me interessam (e falo no plural porque não são somente um tipo mas muitos dependendo do contexto) trabalham com formação e distribuição de conhecimento por meio da tecnologia e sobre a tecnologia.
E com isso fugiríamos também dos modismos ou pelo menos haveria uma necessidade de se pensar os modismos com um pouco mais de desconfiança. Ex: precisamos meter impressora 3D em tudo quanto é canto? Para quê tanto design personalizado de coisas para se imprimir em plástico? Já não sofremos exatamente do excesso de demandas individuais e de plásticos ao mesmo tempo? Formação não é relação professor-aluno (aliás, se o lab tiver professor já é outra coisa), mas se ficar difícil entender assim pelo vício da própria palavra fiquemos com espaços de aprendizagem. Educação não se define pela sala de aula ou pela relação professor-aluno e por isso mesmo tem tanto pedagogo que já desconstruiu isso mil vezes. Se eles não são devidamente ouvidos, é por um regime político de controle que escolhe algumas propostas e ignora outras. Espaço de aprendizagem é espaço de apropriação crítica (e aí o professor que enfia conceitos goela abaixo do aluno não pode estar). E é por isso que os hackerspaces e makerspaces – ou seja lá que nome tinham antes disso, mas sabemos que já rolavam - estão na dianteira, é porque a área de engenharias em geral é onde o sistema educativo é mais rígido e onde não há espaço para se ouvir os alunos ou seguir fora do trajeto imposto. E é com essa galera que eu vejo coisas mais legais rolando, porque eles tiveram de derrubar tudo para construir o espaço deles do zero. Me preocupa a área de artes e cultura que fica nesse meio termo e não se expõe como autoritária nem escancara seus muros.”
“Algo fundamental tem a ver com o que foi falado antes sobre espaços de formação. Se a abordagem é essa, é fundamental desenvolver-se essa preocupação. Esta é uma area onde estou me envolvendo desde o início do Usotópico [Laboratório fundado pela entrevistada na Universidade Federal de Juiz de Fora, dentro do Grupo de estudos em Práticas artísticas, espacialidade e ciências da vida.] e fico cada vez mais surpreendida com a falta de preocupação neste aspecto. Por um lado é um problema de hábito, as universidades não costumam gravar e montar bancos de dados das conferências que são realizadas, por exemplo. Gasta-se um dinheiro enorme produzindo eventos internacionais e fica quase tudo no zero depois. Quem não foi, perdeu. Esse tipo de pensamento é o mais frequente na academia, mesmo entre pessoas que trabalham na area do digital. Compare com o Fórum de Software Livre [O Fórum Internacional de Software Livre (FISL) é realizado anualmente em Porto Alegre, RS.], por exemplo, que tem quase tudo em streaming e posteriormente em um repositório. É um evento que custa caro mas oferece isso para quem não pode estar presente. Os eventos acadêmicos são financiados quase todos com 100% de dinheiro público e não oferecem isso em sua maioria. Não preciso mencionar essa ideia de guardar conhecimento para poucos nas instituições, está lá o filminho do Aaron Swartz [“The Internet's own boy”, filme que conta a história de Aaron Swartz, desenvolvedor de software e ativista de cultura digital que cometeu suicídio por estar sendo processado pelo governo de seu país.] que descreve tudo claramente. Isso não melhora quando passamos para as instituições de arte. Aí se soma a ideia do 'para poucos', 'para iniciados' e não disponibilizar material torna-se até motivo de orgulho. Tivemos algumas exceções, por exemplo os eventos e instituições onde a Giselle Beiguelman esteve envolvida (no Instituto Sergio Motta e na FAU[Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP), foram disponibilizados e viraram um material importante de consulta. Mas como comentei, eu mesma não tive possibilidade de fazer isso muitas vezes porque não me oferecem salas com internet nem técnico para cuidar do registro (se ele tiver de ser filmado e editado depois) e na maioria das vezes isso não é tratado com a seriedade devida. Parece algo totalmente acessório.
O que decorre disso com o tempo também é uma incapacidade de haver um desenvolvimento na area de tutoriais, vídeos educativos, etc. Estes materiais podem e devem ser parte de um projeto maior. Quanto custa gravar vídeos com câmera de computador e subir no Bambuser1? Depois ter isso em uma web com outras informações passo a passo sobre algum procedimento, notas do grupo que está trabalhando, etc. O Garoa Hacker2, tem uma wiki incrível bastante sistematizada. Falei deles e do FISL porque pela minha pesquisa é uma constante ver makerspaces e hackerspaces (ou grupos ligados às estas iniciativas) na dianteira deste processo. Então acho que nada mais natural de tê-los como referente. Não vai ser dos acadêmicos e dos centros de artes que conseguiremos tirar isso, que como falei, está na contra-mão destas instituições. São os grupos que têm como base o compartilhamento de saberes que podem nos ensinar. Pessoalmente me espelho neles e não fico perdendo tempo com o pessoal das artes ou acadêmicos que ainda tem dificuldade em disponibilizar os próprios papers na web, achando que não tem de 'dar nada de graça' .”
“Aí eu me distancio ainda mais das artes. A figura do museu não me interessa e não acho que interesse ao que os labs podem fazer. Ou melhor dito, as instituições artísticas sempre vão beber desta fonte na medida em que perceberem nisso um nicho a ser explorado. Não é preciso ir até eles. Foi assim com o graffiti e será assim com as experimentações tecnológicas. Algumas serão escolhidas para obter o status de arte. E algumas pessoas vão aceitar isso ou não, assim como tem grafiteiro que virou artista top e outros que rejeitam isso. Mas tanto Banksy quanto os Gêmeos não duvidam que graffiti se faz na rua. O museu está fora dessa equação, e os modos de expor estas iniciativas me parecem sempre modos de se congelar algo que se move continuamente. Como já disse, nada contra este trânsito, ele existe e existirá sempre, mas não é preciso colocar os museus ou centros de arte com esse compromisso porque difusão é para o que se elenca como arte. Os labs podem produzir obras que se consideram artísticas, objetos de design para consumo ou nada ('só' uma roda de conversa, só uma troca de experiências). É assim e não há problemas nisso (os hackerspaces sabem). Colocar um museu ou uma 'loja de design' no final do ciclo e depois reclamar que 'não se dá devida importância ao processo' é no mínimo um paradoxo, porque se está forçando que haja um produto finalizado. Por isso me interessa mais o que faz um Ruiz no Coco da Umbigada ou o Regis com o Bailux, ou o Felipe no Ubalab que conhecem bem o contexto local e o que está fora dele (falei um pouco disso aqui http://medienimpulse.at/articles/view/648) e servem como conectores. Se vem alguém da Finlândia lá propor algo existe esta ponte. Só levar a galera de uma cidade grande para o interior em si não traz nada novo e pode até gerar problemas, curto-circuitos comunicativos não necessariamente positivos. E sobre as residências dentro do formato das artes (que é onde eu conheço) eu acho que é o contrário do que se espera de um lab: poucas ou nenhuma produção conjunta, cada um desenvolvendo seu projeto em um ambiente com infraestrutura e baseado na velha ideia da arte do artista-autor e dono da ideia que foi selecionado para estar ali por um grupo de experts. O fato de que muitas residências permitam que nao se apresente produto final nao soluciona nada. Sobre festivais eu não tenho muito o que acrescentar, são momentos pontuais de encontro e compartilhamento mas ainda não sei bem o que poderia ser proposto dentro disso aqui. Talvez pensando no Summerlab ou no próprio Tropixel, mas sempre com um pé atrás em fazer muita fumaça e no final não criar continuidade (que digamos, ocorreu apenas porque o Ubalab estava lá, então restaria saber se o festival teve um real impacto no contexto). Mas sobre isso estamos conversando e experimentaremos com propostas mais direcionadas e pontuais distribuídas no tempo. Pode ser que o resultado seja melhor, pode ser que não… eu não saberia dizer agora. O que sei que é os editais acadêmicos para eventos têm uma visao muito restrita do que pode ou não ser feito e não proporciona este contexto que procuramos, a não ser que sejam combinados com outros editais não acadêmicos (os quais conheco menos e não sei se estariam muito atrelados ao apoio da iniciativa privada).”
Professor da UFG e coordenador do Medialab UFG.
“O Medialab UFG é um projeto de pesquisa, desenvolvimento e inovação em mídias interativas. A partir desse laboratório há uma série de ações que envolvem não só os alunos - desde graduação até pós-doutorado- como também pesquisadores que estão articulados em várias áreas de conhecimento, com projetos que desenvolvemos no Medialab. A concepção do nosso laboratório é absolutamente aberta, nós somos um lab multiusuário. Não estamos vinculados a uma unidade da universidade, nos vinculamos diretamente à pró-reitoria, e isso faz com que haja uma oxigenação em relação aos pesquisadores, as expectativas, os trabalhos, para as diversas áreas de conhecimento. E nesse sentido, o trabalho colaborativo é fundamental. Por exemplo: estamos desenvolvendo um jogo com o pessoal do mestrado em engenharia, os meninos do design e o pessoal da fisioterapia, e nós estamos buscando, nessa concepção de serious games, uma fórmula de trabalhar com ludicidade as questões de tratamento de saúde. Essa é uma das linhas de pesquisa do Medialab.”
“Integramos esse projeto piloto da rede de universidades [Redelabs] e a nossa expectativa é que esse tipo de articulação, que é transdisciplinar, com equipes multidisciplinares, seja também em rede, superando as dificuldades que a distância traz. Então temos uma série de ações em conjunto com esses vários parceiros, e achamos fundamental conceber metodologias específicas para esse trabalho colaborativo em rede, que seja fundamental para o aprimoramento do uso da tecnologia de que nós dispomos hoje.
Temos uma série de iniciativas não sistematizadas. Enquanto metodologia, há necessidade de uma pesquisa melhor fundamentada no uso de rede. E esses espaços que estão dando uma boa largura de banda, fazendo essas articulações, têm se demonstrado um caminho muito promissor para os nossos trabalhos, e é essa minha expectativa em relação ao projeto da rede de laboratórios. Mais do que um produto, o desenvolvimento de metodologias e perspectivas de desenvolvimento é que está em causa, e nesse sentido tenho expectativa de que a gente não use apenas uma metodologia mas que teste uma série de metodologias que sejam capazes de desdobramentos para outros trabalhos. Certamente teremos um trabalho final nesses 9 meses mas o elemento primordial me parece ser a pesquisa que nós desenvolveremos acerca de metodologia de uso compartilhado desses aspectos de trabalho colaborativo.”
“Em relação à política cultural, acho interessante quando a sociedade percebe que o MEC provê acesso a edução para toda a sociedade. Que o ministério da saúde trabalha programas para toda a sociedade. Do mesmo modo, me parece que o Minc, quando lança determinadas propostas, que são para a população ter acesso à arte, e não para artistas somente, é algo fundamental. E ali nessa concepção de um Ministério da Cultura para dar acesso a toda a sociedade, é o ponto que nós devíamos focar. Principalmente pegando a capilarização das ações que são apoiadas pelo Ministério para que alcancem de fato a população. Ao respeito da cultura digital, nós superamos essas distâncias, rizomatizamos as instâncias de núcleo e localizações marginais de modo que isso não interfere grandemente no acesso aos bens culturais. Acredito que se conseguirmos, com redes já formadas, alcançar essa capilarização de acesso à cultura, teríamos algo fundamental que pode alterar o sentido de cultura brasileira. É nisso que a gente tem trabalhado com as ações de extensão desenvolvidas no Medialab. Fizemos um trabalho com a UFRJ e outros parceiros para colocar um programa de Universidade aberta com uma capilarização muito interessante e resultou em projetos muito bacanas. Estamos colhendo frutos até hoje de um trabalho que acabou há quase dois anos, o que nos indica caminhos acertados nesse sentido de formação, concepção e formulação de programas que busquem um reforço às identidades culturais. Essas questões são imperativas, e o contexto, mais do que trazer pessoas para a rede, é levar rede. Colocar essas pessoas em rede. É assim que temos trabalhado, uma rede de experiências digitais, no nosso programa Córtex3. Me parece imprescindível que determinadas ações sejam direcionadas para isso. Já temos uma serie de atores nessa cena mas que não alcançaram esse pulsar cultural que reside em todos os cantos e recantos do nosso país. Mais do que pensar cultura para artistas, vamos pensar a cultura para a população em geral e o uso dos ambientes digitais é imperativo para que a gente alcance essa capilaridade.”
[Exemplo de colaboração entre o lab e um projeto de residências artísticas que envolve um desdobramento em escolas]
“Temos trabalhado sistematicamente de modo colaborativo com vários parceiros. Um deles foi a Casa da Árvore, ONG sediada em Goiânia, que desenvolveu uma residência artística e teve uma repercussão muito boa, inclusive envolvendo jovens pesquisadores de Goiânia. Fizemos questão de que o trabalho não fosse simplesmente desenvolvido dentro de um laboratório mas que contaminasse outras pessoas envolvidas na cidade. E aí o trabalho de articulação com uma ONG, assim como outras parcerias que a gente tem feito, tem nos ajudado a alcançar essas pessoas. Esse foi um trabalho modelar acerca dessas possibilidades de articulação e nós devemos buscar esse tipo de parcerias e articulação para conseguir realizar essa contaminação para com a sociedade.”
1Website para transmissão de vídeo ao vivo e posterior armazenamento http://bambuser.com, acessado em 20/09/2014
2Garoa Hacker Clube hackerspace em São Paulo - http://garoa.net.br/ , acessado em 20/09/2014.
3http://medialab.ufg.br/pages/70888-cortex-rede-de-experiencias-digitais, acessado em 20/09/2014
AMOREIRA, Paulo. Entrevista a Luciana Fleischman. 2014.
BAMBOZZI, Lucas. Entrevista a Luciana Fleischman. 2014.
BARATA, Danillo. Entrevista a Luciana Fleischman. 2014.
BRASIL. LEI Nº 12.343, DE 2 DE DEZEMBRO DE 2010. Institui o Plano Nacional de Cultura - PNC, cria o Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais - SNIIC e dá outras providências. Disponível em http://goo.gl/012IHt (acessado em 22/09/2014).
CANETTI, Patricia. Habemos colegiado setorial! E-mail enviado para o grupo Tecnopolíticas e 15/12/2012. Disponível em http://goo.gl/X7KrH0. Acessado em 22/09/2014.
FRAGOSO, MARIA LUIZA. Entrevista a Luciana Fleischman. 2014.
FONSECA, Felipe. Arranjos Experimentais Criativos em Cultura Digital: Produto 2. 2014. Disponível em http://redelabs-org.github.io. Acessado em 22/09/2014.
GASPARETTO, Débora (org). Arte-Ciência-Tecnologia: o sistema da arte em perspectiva. Santa Maria, RS : Editora Lab Piloto, 2014. Disponível em http://goo.gl/Nkr7eG. Acessado em 22/09/2014.
NÓBREGA, GUTO. Entrevista a Luciana Fleischman. 2014.
MACHADO OLIVEIRA, ANDREIA. Entrevista a Luciana Fleischman. 2014.
RENNÓ, Raquel. Entrevista a Luciana Fleischman. 2014.
ROCHA, Cleomar. Entrevista a Luciana Fleischman. 2014.
SANTOS, Nara Cristina. Entrevista a Luciana Fleischman. 2014.
SOLER, Pedro. Entrevista a Luciana Fleischman. 2014.
VIANNA, Bruno. Entrevista a Luciana Fleischman. 2014.