Anexo: Entrevistas e comentários
3.1. Paulo Amoreira
Coordenador de cultura digital do equipamento público CUCA Che Guevara em Fortaleza, integrante do Colegiado Setorial de Arte Digital e Conselheiro titular de Arte Digital no CNPC. Amoreira teceu comentários sobre as recomendações feitas anteriormente, no segundo produto deste levantamento.
“O poder público apresenta descompassos históricos em relação aos processos de fomento àquela produção artística e cultural que se dedica à experimentação e às iniciativas laboratoriais. Para a máquina pública - paquidérmica, ultraburocrática e avessa a estruturas fluidas - os instrumentais de monitoramento, os modos de aferição de resultados à natureza das ações experimentais (com maior ênfase no processo e menor destaque ao produto cultural gerado) contrariam a cartilha cultivada durante anos de normatizações baseadas nos modelos da Era Industrial. A descontinuidade de Programas de Incentivo, Editais e outras formas de acesso a recursos públicos voltados para áreas que promovam a interface entre Cultura, Ciência, Tecnologia, Inovação é sintoma desse anacronismo. Gestões progressistas apresentam um pacote de soluções que aponta para os pontos mais sensíveis das redes de conhecimento emergentes e, durante algum tempo, injetam expectativas e estimulam a produção. No entanto, ao término dessas gestões, ou diante de reveses políticos, tais arquiteturas mostram-se frágeis e excessivamente dependentes de concessões nem sempre renováveis.
Uma saída possível para esse perverso círculo de avanço/retrocesso é o empoderamento de agentes culturais, grupos, coletivos, pesquisadores, artistas e outros personagens que, para além do patrocínio eventual proporcionado pela ativação de determinada ferramenta de acesso a incentivos (editais, prêmios, chamadas públicas...), conseguem manter uma ação criativa e produtiva. Desse modo, a intervenção do Estado seria mais pontual e mais estruturante, possibilitando o surgimento de Redes Autossustentáveis. Uma Rede fortalecida pressupõe, ao longo do tempo, trocas diversas de mútua afetação, decantação e remixes (Residências, Intercâmbios, Itinerâncias), mas também requer criação e processamento multilocal, com acessos instantâneos imediatos, garantidos por conexões de alta velocidade que permitam a dissolução da autoria dentro de um fluxo criativo com múltiplos agentes não-circunscritos a limites geográficos e culturais. Nesse momento, a sustentabilidade da infraestrutura necessária para esse propósito se apresenta como um desafio que requer atenção.
Possivelmente, a vinculação orçamentária de um programa estruturante para a área de encontro entre Arte, Cultura e Tecnologia e Inovação dentro do Fundo Nacional de Cultura garantiria, como Política de Estado (e não Política de Gestão) que os processos pudessem atingir o ponto de maturidade necessário para conquistar a autonomia ou reduzir de forma significativa sua dependência de recursos públicos.
No momento, a Setorial de Arte Digital está no processo de construção, através de diversas consultas públicas, do Plano Nacional de Arte Digital. Diversas diretrizes apontam na direção da estruturação e autonomia. Se os processos democráticos previstos seguirem a agenda pactuada, também contaremos com esse documento para colaborar na instituição das políticas públicas de Arte e Cultura Digital.”
3.2. Bruno Vianna
Artista interativo e gestor da Nuvem – estação rural de arte e tecnologia
3.2.1. Políticas públicas
“Acredito que a política de cultura de maneira geral poderia estar mais integrada com o Ministério da Ciência e Tecnologia, pensando em estimular a cultura e a ciência como coisas integradas e não separadas. Tem espaço para diversas formas de apoio para espaços independentes, acho que podem ser editais ou outros apoios para eventos. Seria muito importante que houvesse uma iniciativa para manter esses lugares como pontos de cultura, porque de certa forma o tipo de apoio que se dá a um ponto de cultura para manter uma infraestrutura durante alguns anos é exatamente o tipo de apoio que esses lugares precisam. Mas também é bom ficar atento para a possibilidade de apoiar eventos, residências, encontros específicos.
Acho também importante que esse apoio esteja atento porque muitos espaços são informais, nem sempre vai ter uma instituição constituída há 2 ou 3 anos, com CNPJ, e tudo isso. Então, quanto mais desburocratizado, pode ser melhor. Teve algumas experiências como o Interações Estéticas, que desburocratizava muito os apoios, e por outro lado é muito bom o apoio a instituições da academia, ou dentro do governo instituições como a Funarte, pensando nos espaços de que o governo já dispõe e enxergando como potenciais espaços de experimentação coletiva, de laboratório, de pesquisa de linguagem, tecnologia, arte e cultura. Na medida em que esses espaços existem e estejam abertos à colaboração com instituições e outros espaços da sociedade que não estão consituidos formalmente, poderia haver um apoio, uma maneira de você existir, de fazer eventos através do apoio a lugares mais institucionais do governo que estejam abertos a essas parcerias. Fora o apoio de conexão a internet, formação de pessoas, oficinas, esse tipo de ação que faz parte das ações do governo.”
3.2.2. Inovação e experimentação
“Para mim inovação sempre esteve ligada a compartilhamento de informação e troca de experiências, porque geralmente um inventor não trabalha sozinho, trabalha a partir de outras experiências. Tem por outro lado as pessoas que precisam dos inventos, das inovações. Dentro de um ecossistema muito fechado a inovação vai ser sempre mais travada, e vai haver mais obstáculos para ela acontecer naturalmente. Ao proporcionar espaços para inovação, geralmente eles darão mais frutos se você não estiver fazendo essa inovação dentro de uma perspectiva empreendedora, porque por mais que a recompensa do emprendedorismo pareça ser mais interessante, a falta de colaboração e cooperação pode travar essa inovação. Então, quando a gente vê a inovação acontecendo em Universidades, sabemos que isso é mais por efeito de trabalhar e estar pensando juntos do que na perspectiva de lucrar com uma invenção. Acho que dentro desse aspecto de inovação colaborativa falta a gente proporcionar esses espaços e ambientes de troca onde essas coisas vão acontecer. Sejam espaços físicos, sejam encontros, sejam redes. E por fim acredito que falta inclusive adotar uma política pensada no cooperativismo não só como modo de vida, mas como uma organização social que pode dar apoio a um modelo de compartilhamento, de gestão compartilhada e autônoma, que as empresas nem sempre podem dar. Geralmente o que acontece é que as políticas de governo, especialmente as de cultura, têm focado muito na economia criativa, sem pensar que o cooperativismo também está dentro da economia.”
3.3. Nara Cristina Santos
Nara Cristina Santos, da UFSC, coordenadora do lab de pesquisa em arte, tecnologia e mídias digitais, e da área de concentração e pesquisa em história, teoria e crítica da arte, trabalhando questões de arte contemporânea, arte e tecnologia digital.
“Inicialmente a gente precisa fazer uma distinção. Nós estamos tratando da arte digital, não da cultura digital, tanto é que temos um colegiado da arte digital. Nós entendemos que deve haver um espaço separado da cultura digital. Em se tratando da arte digital, como historiadora e teórica penso que o fomento poderia aparecer já como vem acontecendo em alguns momentos pela Funarte. Por exemplo com bolsas de pesquisa, para estudantes, mestrandos ou pessoas da comunidade, que tratassem de questões teóricas, historiográficas, ou curatoriais em torno da produção em arte e mídia digital. Essa questão é importante em função de que, se há um fomento para a produção prática ou artística, de um modo geral em diferentes áreas, que haja também para a arte digital, mas sobretudo que haja uma parte teórica para uma reflexão sobre essa produção, pelo fato de que há uma confusão na terminologia de áreas que se sobrepõem.
Hoje por exemplo a Funarte tem editais para as artes visuais, para música, cinema, fotografia, etc. Mas não tem um específico para produção em tecnologia e arte digital, então no momento em que existem nas Universidades e nos espaços privados também pessoas interessadas ou mesmo iniciando uma pesquisa na área, é fundamental que exista um fomento específico para essa produção que não se misture com as demais produções. Até porque o próprio espaço da cultura digital, tão abrangente como se propõe, englobaria música digital, arte digital, cinema digital. Então nada mais justo do que nós, que já temos um colegiado da arte digital, possamos contar também por exemplo, no âmbito da Funarte, com um espaço próprio da arte digital. Tem muito artista produzindo e querendo produzir. Os equipamentos hoje não são tão caros como 20 ou 30 anos atrás. No entanto ainda existe uma demanda que não é só de hardware, é de software também, o trabalho colaborativo que envolve engenheiros, informáticos, designers, matemáticos, biólogos, é um trabalho que tem uma necessidade de verba. Então se o Brasil pretende se estabelecer como um país de vanguarda em termos políticos, que seja culturalmente também. Não dá para perder o trem da produção digital.”
3.3.1. Separação entre arte digital e cultura digital
“Se a gente pensar na cultura de modo geral, pode-se dizer que envolve a arte, cinema, circo, etc. Mas quando se fala de cultura digital, o termo digital tem um peso que a gente poderia entender como um vasto campo de cultura que envolve as tecnologias digitais. No entanto, na hora de buscar verbas, de estratégias de fomento, há uma sobreposição da força da cultura digital em relação à arte digital. E como nós temos um colegiado separado, o que nós queremos é esse reconhecimento. Não somos contra a cultura digital, muito pelo contrário, nos sentimos envolvidos nela. No entanto queremos enfatizar a necessidade de um olhar específico para essa produção em arte digital, e existe uma certa dificuldade do Minc em entender isso, até porque as pessoas vão mudando, os cargos vão passando. Desde 2009 quando comecei a participar do GT a gente já vinha fazendo um processo que era quase uma alfabetização da arte digital. Fizemos isso na Funarte em dois momentos. Amanhã Andreia tem uma reunião na Funarte de novo porque mudaram as pessoas. Então há um cansaço de energia depositada numa demanda que não vem sendo atendida ainda.”
3.4. Andreia Machado Oliveira
Andreia Machado Oliveira é professora na UFSM, onde coordena o laboratório interdisciplinar interativo. Faz parte do Colegiado da Arte Digital, como representante da região Sul junto com a professora Nara. É conselheira suplente de Arte Digital no CNPC.
“O Colegiado Setorial da Arte Digital tem pensado essas políticas públicas no sentido sempre da formação, da produção, distribuição, e da preservação da arte digital. A gente percebe que há um desconhecimento dentro do Minc sobre o próprio campo, então nosso primeiro movimento é de construir simbolicamente esse campo da arte digital. A gente vê em alguns discursos e falas essa perspectiva que a Nara estava colocando de inovação do país, que é importante trazer a tecnologia para dentro da cultura, mas na verdade o campo específico que vai trabalhar com essa tecnologia é o campo da arte digital.”
3.4.1. Expectativas sobre o programa piloto Redelabs
“Acho importante esclarecer bem esse projeto que se transformou em um programa. Do meu ponto de vista esse programa é um movimento da cultura digital, há uma trajetória deles neste sentido de pensar essa inclusão digital, como trabalhar a tecnologia no nível da cultura, que é algo bem amplo. E dentro dessa questão, tem um movimento que é a implementação dos laboratórios de arte e tecnologia que diz respeito à meta 43 do PNC. É nesse local que estamos situados. Redelabs está contribuindo para a arte digital na implementação desses laboratórios. A perspectiva é que o Redelabs conecte as produções diversas na área digital, inclusive a arte e tecnologia, o que acho muito positivo, mas fazendo essa diferenciação. Essa implementação dos cinco laboratórios foi um projeto que teve apoio do colegiado da arte digital, no sentido de pensar que esses laboratórios deviam ser implementados de forma descentralizada, nas cinco regiões do país, e que deviam estar contemplando pesquisas que já estariam ocorrendo nas Universidades, mesmo que essa produção esteja hoje vinculada a uma verba do MEC mais do que uma verba do MINC, sendo que é uma área da arte também.”
3.4.2. Separação arte e cultura digital
“É importante essa parceria da cultura digital para a arte digital, porque ambas podem se beneficiar com isso de diferentes maneiras. Mas se a gente entende que a arte digital é a cultura digital, a cultura digital é muito ampla, e aí nós não obteremos fomento para a produção da arte digital, que é muito específica. Nosso sentido de fazer esse recorte é justamente para que conseguir criar esse campo da arte digital dentro do Brasil, que em outros países tem uma produção e investimento político na área, estamos tentando reconhecer a área e pensar políticas públicas para o setor.”
3.5. Maria Luiza Fragoso
Artista e Professora da Escola de Belas Artes da UFRJ, onde coordena o grupo de pesquisa NANO (Núcleo de Artes e Novos Organismos) junto com Guto Nóbrega.
3.5.1. Programa Redelabs universitários
“Para nós é muito importante ter esse tipo de subsídio porque nós já estamos dentro do NANO fazendo esse tipo de trabalho em rede que é praticamente nosso foco principal. Tudo o que fazemos gira em torno desse espaço de conexão. Então o Redelabs vem de encontro a uma necessidade de um apoio institucional e um apoio político, no sentido de dar visibilidade de um trabalho que está sendo feito e de estabelecer relações mais formais entre os parceiros que estão trabalhando com isso. Uma coisa é você estar fazendo seu trabalho na Universidade, encontrar um colega e resolver fazer uma obra conjunta, e outra coisa é você ter um programa, um projeto, onde há um compromisso, onde você sabe que aquilo vai ter um reconhecimento, uma visibilidade. Isso é muito importante. Senão a gente fica trabalhado e nada aparece. O mais importante seria que isso não ficasse apenas num período curto, que seja um programa estendido sem que a gente tenha que estar sempre reforçando a qualidade e importância do trabalho. Então um programa já representaria o reconhecimento dessa importância, a possibilidade de termos um apoio institucional nesse sentido. E também significaria uma importante posição política dentro dos editais e das propostas que o governo oferece, para que a gente possa vir a concorrer, a partir de um trabalho sendo legitimado e reconhecido pelo Ministério da Cultura, da educação. É importante essas coisas terem nome, lugar, identidade e poderem ser referidas como um trabalho de qualidade. É muito importante para a gente na arte ter isso.”
3.5.2. Políticas públicas para o setor
“A nossa necessidade é de programas e projetos, principalmente editais que abram espaço para que tenhamos visibilidade e a partir disso dar um passo maior de organização entre os próprios artistas que estão desenvolvendo nessa área para um diálogo com as políticas públicas. E as políticas públicas têm que criar uma infraestrutura para a gente trabalhar.
A sensação que temos é que não existe interesse em abrir mais espaços, porque significa mais dinheiro, mais editais, mais distribuição, e uma fatia do bolo tem que ir para um novo segmento que está esperando esse seu espaço. Quem é que vai abrir mão dessa fatia do bolo? Essa disponibilidade não vai partir dos artistas que estão trabalhando, tem que partir de uma legitimação e reconhecimento das políticas de que essa área existe e precisa trabalhar, e essa área só não está apagada dentro do contexto porque as novas tecnologias estão em todo lugar.”
3.5.3. Infraestrutura necessária nos labs universitários
“Cabeamento físico, espaço físico de qualidade com salas acusticamente preparadas, computadores com capacidade de renderização e processamento em alto nível, placas de vídeo que possam nos oferecer uma imagem em 3D, trabalhar com um material onde você não tenha que estar sempre se desculpando pela falta de condições. Como você vai mostrar a sua produção cultural internacionalmente ou até nacionalmente em diferentes níveis quando não tem a condição para isso? A gente não tem como bancar um equipamento de laboratório de qualidade. E isso é importante porque no lab você não só produz, mas você expõe. Você traz pessoas da comunidade pro seu laboratório, você convida alguém para vir e produzir no seu laboratório.”
3.5.4. Hiperorgânicos
“É um evento que começou tímido no térreo da universidade convidando artistas, pessoas inovadoras, pessoas interessadas no sistema de rede e de conexão em rede. Não é só ter um equipamento conectado na internet mas você trazer essa conexão para um interesse coletivo e produzir a partir dessas colaborações. Nós queremos ver o que isso gera. Queremos produzir conteúdo para essa conexão. E esse conteúdo muitas vezes não está dentro da Universidade, está na vida de todo o mundo. Então o evento hiperorgânicos é um momento, uma atividade extensionista de universidade, em que a gente abre o nosso laboratório e abre o que desenvolvemos durante o ano para que em cinco dias compartilhar com as pessoas que também estão fazendo coisas similares em outros lugares do Rio, do Brasil e do mundo. Porque estando em rede você consegue fazer esse compartilhamento. É um momento muito importante onde partimos do princípio dessa hibridação do natural e artificial, do orgânico e inorgânico. Nós temos uma linha de trabalho no NANO, o que não é uma coisa excludente, mas é uma provocação para nossos amigos e parceiros. Essa colaboração gera uma série de descobertas e é muito bom, você encontra pessoas que estão trabalhando com isso, encontra soluções novas para as coisas que você está desenvolvendo, essa troca é fundamental. O hiperorgânicos é esse momento de laboratório aberto onde as pessoas são convidadas a trazer os seus trabalhos, suas pesquisas, seus processos para compartilhar esses processos, e não apenas o resultado. Eu quero saber como o trabalho aconteceu. Todo o nosso trabalho artístico hoje é derivado de processos e processos complexos. E a gente não consegue dominar tudo, então essa colaboração e compartilhamento é fundamental para que a gente entenda até o nosso próprio trabalho.”
3.6. Guto Nóbrega
Coordenador do Núcleo de Artes e Novos Organismos (NANO) da Escola de Belas Artes da UFRJ.
3.6.1. Hiperorgânicos
“O que a gente propõe com o Hiperorgânicos é a construção de um espaço que se dá por três dias, e durante esses dias o espaço se torna um espaço para processos. As pessoas são convidadas para trazer o que elas estão experimentando. É uma construção que se dá ao longo de um ano, mais ou menos. A gente começa articulando com os artistas, tanto do meio acadêmico quanto fora do meio acadêmico, não é restrito a instituições de ensino. Na verdade a gente viu que as outras pessoas estão fazendo e convidamos as outras pessoas, e o espaço está totalmente aberto para intervenção. Ao mesmo tempo que tem essa abertura e tem um processo que traz junto várias classes de ações dentro desse contexto da arte e da cultura digital, é também um modelo muito forte de pesquisa, porque para construir esse espaço de experimentação é necessário um momento sobre o qual você não tem sobre aquele espaço, sobre aquele fazer, uma cobrança de resultados. A gente permite criar uma janela no tempo para que esses processos venham à tona e que a gente possa gerar um olhar coletivo para eles.”
3.6.2. Redelabs universitários
“Acredito que o Redelabs tem como vocação o fomento da produção de conhecimento no contexto das redes de informação, no uso da telemática, para facilitar a pesquisa nessa área. Então faz todo sentido você ter uma rede de labs interconectados e produzir processos que se valham dessa interconectividade. Para isso você precisa de toda uma estrutura de TI para dar suporte ao acontecimento dessa rede. Essa é uma coisa. Os laboratórios envolvidos nesse processos são conhecidos dentro dos fóruns de discussão acadêmica, já há uma relação institucional que faz sentido juntar esses laboratórios para usar essa facilidade de TI e proporcionar um ambiente no qual você possa pesquisar a rede em toda a sua amplitude, não só em termos tecnológicos mas em termos de poéticas, na pesquisa artística. Por outro lado, o Redelabs é uma configuração da RNP com o Minc que extrapola esse aspecto de pesquisa específico no contexto da rede, porque pensa também incluir nessa rede outros agentes que estão fora dessas instituições. Mas acho que para pensar nessa inclusão ou um contexto mais amplo é preciso pensar o que é específico, e agora o específico é resolver questões muito básicas. Por exemplo hoje a gente tentou fazer uma conferência de uma rede internacional que está se formando de pesquisa e a gente teve vários problemas técnicos, e não conseguiu fazer essa comunicação. A gente não acha que uma rede se constitui por apenas ter acesso a um sistema de videoconferências, estamos tratando de uma coisa que envolve muito mais do que isso, há uma possibilidade aberta pelas redes, pela tecnologia do próprio ambiente estar conectado como um todo. Hoje você tem tecnologias como como kinect, como drone, robóticas das mais variadas, a gente pode ter toda uma ecologia de agentes que compartilham e dão sentido a um laboratório ou toda uma espacialidade que poderia estar conectada. Essa é minha visão do que poderia ser um projeto como o de Redelabs: como tornar um laboratório a distância parte de um todo? Como interconectar as pessoas para se constituir como um espaço sólido, integrado para experimentação? As derivações disso é que se torne um modelo que pode ser aplicado, aberto para integrar toda uma comunidade que pesquisa nessa área. Então como a Universidade é genuinamente esse campo do saber, de produção de conhecimento... porque ao falar de laboratório, uma coisa é você criar facilidades laboratoriais fora do escopo da universidade, o que envolve todo um investimento de capital, de empresas, que gera outra configuração de necessidades e estratégias. A Universidade tem seu espaço definido, suas agências de fomento, que facilitam a construção de laboratórios de porte sofisticado que permitem ter uma estrutura de rede facilitada para isso. Por isso a gente acha muito genuíno uma pesquisa dessas nascer numa universidade. Agora logicamente isso se desdobra como qualquer produto com um potencial de conhecimento que extrapola seus domínios, e aí vem o papel da extensão. Na questão do Redelabs, o nome em si me remete a laboratórios de pesquisa interessados em pesquisar processos telemáticos e mais ainda especificamente no contexto da arte.”
3.7. Danillo Barata
Videoartista e curador. Atualmente é diretor do Centro de Cultura, Linguagens e Tecnologias Aplicadas (CECULT) da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Danillo teceu comentários sobre as recomendações feitas anteriormente, no segundo produto deste levantamento.
3.7.1. Repositórios, documentação e acervos digitais
“A base desse primeiro ponto é pensar um repositório. Acho que não precisa ter cara de blog, mas que seja um lugar como se fosse uma Plataforma Lattes, onde você encontra todos os pesquisadores se você quiser pesquisar sobre qualquer tema. Uma possibilidade de verificar o pesquisador, o grupo de pesquisa, os temas que te interessam. Poderia ser uma base aos moldes dessa plataforma [Lattes] e que tivesse esse repositório das práticas, com as pesquisas, artigos publicados, link para a documentação disso em vídeo, pdf, etc. Esse repositório precisaria ter um tratamento, assim como o Lattes é feito pelo CNPJ. Então acredito que o Minc junto com outros ministérios como o da Ciência e Tecnologia pudesse implementar um sistema de busca e salvaguarda desses materiais que às vezes necessitam dessa arqueologia imediata. Muitos projetos não estão visíveis, muitos até financiados pelo próprio governo por meio de leis de incentivo não previram isso naquela ocasião, então parte dessa produção poderia estar disponível em formato digital. Uma unificação de um sistema como esse, de pensar um repositório, uma base de pesquisa, e essa relação precisa ser do Minc junto com o Ministério da Ciência e Tecnologia, com o Ministério da Comunicação, naturalmente com um certo protagonismo do Minc pela transversalidade, pela aderência e capilaridade da área que está envolvida.
Hoje se quiser encontrar um pesquisador, professor, artista com temas que sejam caros a minha pesquisa, da minha área, consigo localizar lá no Lattes. Se procurar um grupo de pesquisa sobre esse tema também posso encontrar lá. Naturalmente ainda não existe no Lattes um espaço em que eu possa me conectar com esses arquivos. Não tem um link onde baixar um pdf, ou assistir a um vide-o, mas pode linkar para o grupo ou o pesquisador que pode vincular o conteúdo. Acho que um modelo de repositório para esta área pode ser mais complexo e interessante do que um Lattes. Que envolva conteúdos, mas também uma parte em que as pessoas possam elas mesmas construir seus perfis. Hoje temos aquela enciclopédia do Itaú, eles contratam redatores para escrever os verbetes mas acho que valeria a pena hoje um pesquisador que tem interesse e produção, ele fazer por si mesmo, cadastrar-se e poder incluir o conteúdo. Talvez seria uma grande rede social para juntar essas pesquisas, links, sites. Penso num repositório vivo, em conexão com a vida das pessoas, e que converse com a rede social e outras plataformas.
Muitas vezes esses projetos entram nas discussões de linguagem, e vira a coisa da 'arte digital', mas acho que estamos falando de algo muito maior do que isso. Temos que pensar a cultura digital como um todo, como um grande guarda-chuva e a arte digital compõe essa cena.”
3.7.2. Metalaboratório
“Seria oportuno pensar nessas conexões, a grande história é como pegar essas competências, essa infraestrutura que está dispersa hoje e colocar essa infra e pesquisadores que estão dispersos e se encontram eventualmente em alguns congressos acadêmicos ou artísticos no Brasil, até com uma certa periodicidade. Mas colocá-los de forma orgânica, conjuntamente pesquisando e trocando para além da burocracia acadêmica. Essa plataforma que estamos discutindo pode ser um grande barato. Por exemplo: estou produzindo em Cachoeira hoje, e tenho um grupo de pesquisadores e alunos e vou ter um ambiente dentro da minha plataforma digital do repositório onde coloco a minha pesquisa em desenvolvimento. Apresento essa pesquisa, faço um vídeo, e coloco para que outras pessoas possam colaborar. E aí a pessoa vai lá e faz uma proposta de colaboração, pensa uma ideia, ou compartilha o que está acontecendo em outro país, com outro grupo. Então você começa a criar conexões daquilo ali. Eu só consigo pensar num ambiente digital, numa plataforma para que essas coisas efetivamente possam acontecer, como uma rede social que seja bem focada nisso. Hoje passo boa parte do meu tempo vendo o que meus colegas estão fazendo, trocando ideia com eles, e hoje a gente conhece muito pouco do que está rolando em outros lugares. A gente precisa dar forma a isso. Então se você criar um ambiente onde tudo isso está posto, onde pode identificar os pequisadores, bolsistas envolvidos, conteúdos, etc, grupos que não necessariamente estão vinculados à academia, mais autônomos, isso caminha mais para uma grande plataforma de rede social focada em artes do que outra coisa.”
3.7.3. Rede social
“Se a gente pensar que hoje temos um espaço onde conectar com coletivos, pesquisadores, com criadores autônomos, se quer-se criar uma rede grande de troca de cultura digital, pode-se pensar num ambiente com espaço para galeria virtual onde mostrar trabalhos. Até para potencializar encontros presenciais, uma agenda, salas de encontro, criando perfis. Nada disso é novo, estou fazendo uma metareciclagem do que já existe. Se você cria um perfil que você mesma alimenta, onde pode fazer uma migração de dados, pode colocar seus vídeos, portfólio, e seu grupo pode estar ali e ter um espaço de publicação e de encontro com temáticas específicas, numa plataforma bacana que permita ter um registro disso e que vire um grande lugar de referência. Naturalmente vai precisar de uma política para mediar isso. Hoje como pesquisador sinto falta disso, de um espaço como esse, porque hoje o que a gente faz é olhar o site do colega, trocar uma ideia por e-mail ou numa rede social, mas acho que falta um repositório onde centralizar a pesquisa brasileira ligada a grandes centros de pesquisa mas também os independentes e marginais, listas livres, espaços temáticos, etc.
Uma rede social para buscar parceiros para desenvolver coletivamente meu trabalho, para conseguir financiadores, que permita depois fazer uma curadoria de trabalhos compartilhados. Ou seja, um banco de dados vivo, que permita dar visibilidade a essa produção. Claro que isso não quita a importância dos encontros presenciais, mas acho que hoje a gente vive num gueto tão hermeticamente fechado e tal. Enquanto os trabalhos na área da cultura digital, se você não tem uma gameficação desses processos, parece que aquilo tudo não sobrevive. Acho que a gente precisa ter espaços para apresentar esses trabalhos, proposições, interações desses trabalhos e até que os próprios artistas façam sua autorregulação, que ele possa se associar com outro por afinidades, e não forçando a barra. E é super legal ter um espaço de debates, de acúmulo, de encontro, de pensar juntos, de aquilo estar como uma célula em desenvolvimento com outros artistas e pesquisadores. Não sei se tudo isso é uma utopia. Hoje paro muito para pesquisar as pessoas que gosto, que me interessam, quando vou num congresso não vejo tudo, seleciono o que eu quero ver. Então se eu tiver um lugar dentro dessa cena da arte e da cultura digital onde eu posso pensar quais artistas me interessam, selecionar eles e conseguir acompanhar por meio dessa plataforma de maneira sistemática, acho q seria maravilhoso. No longo prazo isso é muito bom. Imagina, recentemente fui convidado para fazer uma curadoria para um instituto importante de arte e tecnologia, que quer que faça uma seleção de artistas no Brasil pesquisando corpo e tecnologia. Daí eu poderia ir lá no repositório e achar artistas do Acre, de Roraima, de lugares onde ninguém vai, e posso descobrir que o trabalho desses caras tem o maior diálogo com o meu. Tudo o que não acontece na prática, porque aquele pesquisador que está isolado lá pode estar dentro de um lugar, de uma rede de pertencimento, simbólica. A CAPES agora está com a plataforma Sucupira, a gente precisa pensar nessa plataforma que envolva essa nossa área, isso me faz falta hoje, de ter um lugar mais dirigido para isso.”
3.7.4. Residências, intercâmbios
“Se a gente está trabalhando sobre a ideia de uma plataforma onde esses conteúdos se trabalham sem ter necessidade de uma presença física, a residência permitiria que você possa vivenciar isso presencialmente num espaço curto de tempo, para apresentar um trabalho, mas quando você cria uma conexão que existe a partir de uma rede que já está estabelecida, entende muito bem como o grupo trabalha, você pode fazer uma proposição mais produtiva do que você chegar lá [na residência] e passar um tempo se adequando e conhecendo as pessoas, sacando o lugar. Pode ser muito mais bem dirigido. Adoro as residências, acho que é um momento em que você pode produzir muito melhor, com bastante cuidado e carinho, e acho importante ter uma linha de apoio como essa, por exemplo gerando bolsas específicas. E que os labs possam gerenciar isso, ou então uma comissão multidisciplinar de labs possa fazer uma troca entre projetos, pesquisadores, desenvolver coisas conjuntas.
Estou falando muito em Universidades porque hoje é meu âmbito de ação, mas pode ser um lugar que não tenha nada a ver com isso. Hoje você tem nas Universidades condições de ter laboratórios bem estruturados, com rede, com tudo, mas você tem problemas de como hospedar, de como pagar um cachê para a pessoa, para que ela possa ter uma estrutura, esse tipo de coisas. Quando o cara é um pesquisador senior consegue uma ajuda específica, ou como professor visitante. Mas quando ele não é, quando é um artista mesmo, é muito mais difícil. A gente esbarra nisso cotidianamente. Porque até passagem aérea conseguimos, mas como você pode hospedar a pessoa, o cachê, as diárias para manter a pessoa ao longo de uma residência numa Universidade? Isso do ponto de vista institucional. Mas se pensarmos em outras estruturas, como a Nuvem [Laboratório rural que já foi retratado no primeiro produto deste levantamento], isso tem custos fixos para cobrir, e precisa de uma grana pra isso. Então talvez o grande diferencial poderia ser pensar uma cota fixa como as agências de fomento colocam: bolsas específicas, às vezes de produtividade de pesquisa, para o incentivo de vários grupos e aí talvez fosse uma coisa mais dirigida mesmo. Pensar de forma multidisciplinar. Se tiver um grupo que eu já tenho afinidade para colaborar, é muito bacana ter as condições para poder fazer isso. As ajudas hoje são muito espaçadas e não têm continuidade, e isso quebra inclusive porque estamos trabalhando em redes. Mas as redes precisam de alimentação cotidiana, precisam ser alimentadas.”
3.7.5. Circuito de eventos, colaborações, parcerias
“A gente faz isso o tempo todo, quando sabemos que vem um pesquisador tentamos dividir uma passagem internacional com outros parceiros, naturalmente se você tem um espaço onde dialoga com um colega e pensa junto em trazer alguma pessoa de fora para fazer um trabalho, um pode conseguir as passagens aéreas, outro as diárias e hospedagem, e por aí vai. Essa cooperação é saudável pra caramba pra gente. Mas valeria a pena ter um espaço onde colocar de maneira clara isso, porque hoje isso funciona informalmente por meio da nossa rede de amigos, onde a gente comunica entre nós quem estamos pensando trazer para ver se o outro pode aproveitar também para convidar uns dias para ir pra lá. Às vezes fica muito em cima e é difícil criar uma estratégia para isso. Mas se houvesse uma forma de potencializar a vinda de uma pessoa e a circulação dela entre projetos, espaços, residências ou galerias seria muito legal.”
3.7.6. Redelabs universitários
“É importante essa retomada da discussão sobre infraestrutura, de religar esses labs por meio de fibra ótica, uma troca de infraestrutura. Acho que precisam ser criados esses espaços de laboratório, nós aqui em Cachoeira recebemos e produzimos uma série de eventos importantes que envolvem a arte e tecnologia e artemídia, a gente traz muitos artistas, mas a gente acha que às vezes fica muito circunscrito, poderia ser potencializado por uma rede afetiva de laboratórios. Mais do que um edital de redes de laboratórios, tem que funcionar por afinidade, ampliar essa política. Isso depende da afinidade, de conhecer o trabalho do outro. Também é importante ter um monitoramento do resultado disso, se isso realmente impactou na comunidade, quantas pessoas da comunidade participaram disso, o que ficou para a instituição, são essas coisas que a gente precisa reforçar e ampliar dentro dessa política. A gente precisa agora é potencializar o que foi gestado nessas instituições e ampliar, com capilaridade no Brasil inteiro, sobretudo 'interiorizando' mais.”
3.7.7. Colegiado setorial da arte digital
“As propostas formuladas aqui têm completa aderência com as metas. Não tenho participado muito das discussões atuais do pessoal que está lá agora no CNPC, porque não consegui acessar ao conteúdo das ações e debates do colegiado. Patricia Canetti tinha costume de dividir mais os debates, minha participação no colegiado foi na passagem entre a Patrícia e a tomada de posse dos novos representantes conselheiros. E de lá pra cá, não tenho conseguido ver o que eles produzem lá.”
3.8 Raquel Rennó
3.8.1. Contextualização das tecnologias
“A proposta de um laboratório aberto, sem um formato predefinido, é fundamental. Ainda é comum um apego à ideia de ter equipamentos, sem levar em consideração o contexto. Isso é um dos vícios da tecnofilia. Discute-se se o equipamento é 'legal', os aspectos técnicos da coisa, e não se referencializa o contexto. Utilizando alguns exemplos que venho discutindo para distintas propostas noto isso. Não é má-fé por parte das pessoas, mas simplesmente aquela ideia de 'chama aquele cara que sabe de tecnologia lá em Porto Alegre que ele manda uma lista bacana de equipamentos'. Sem se pensar onde as coisas serão mantidas, para dizer o mínimo. Antes se deveria pensar: haverá massa crítica para utilizar o equipamento? Espera-se ter esse grupo utilizando estes equipamentos plenamente ou é montar um estúdio de edição de vídeo para 'caso alguém queira fazer um documentário um dia'? Pense no caso do vídeo. Uma câmera profissional custa caro, exige uma ilha de edição boa (mais custos). Mas será que existe esta necessidade no contexto? Vale a pena transformar um local de acesso livre em uma fortaleza porque você tem um equipamento de vídeo com um custo altissimo que nem se sabe se será utilizado? Às vezes o local nem tem condições boas de armazenamento, o material fica lá recebendo umidade, pó. E arrumar isso exigiria uma reforma do edifício que seria impossível no momento. Resumindo, parece óbvio mas é sempre bom lembrar que a tecnologia não independe destas questões mais cotidianas e que implicam na própria viabilidade do lab.”
3.8.2. Continuidade
“A falta de continuidade nos programas é algo que desanima e impossibilita que as propostas possam até mesmo ser avaliadas. Se houver a compreensão de que estamos tratando de um projeto que envolve formação (não necessariamente educação, pelo menos não educação formal) fica mais fácil entender a relevância disso. E também seria mais fácil sair da dicotomia produto-processo que existe nas artes e no design (pensando na economia criativa como mais interessada no produto e as artes digitais no processo). Os labs que me interessam (e falo no plural porque não são somente um tipo mas muitos dependendo do contexto) trabalham com formação e distribuição de conhecimento por meio da tecnologia e sobre a tecnologia.
E com isso fugiríamos também dos modismos ou pelo menos haveria uma necessidade de se pensar os modismos com um pouco mais de desconfiança. Ex: precisamos meter impressora 3D em tudo quanto é canto? Para quê tanto design personalizado de coisas para se imprimir em plástico? Já não sofremos exatamente do excesso de demandas individuais e de plásticos ao mesmo tempo? Formação não é relação professor-aluno (aliás, se o lab tiver professor já é outra coisa), mas se ficar difícil entender assim pelo vício da própria palavra fiquemos com espaços de aprendizagem. Educação não se define pela sala de aula ou pela relação professor-aluno e por isso mesmo tem tanto pedagogo que já desconstruiu isso mil vezes. Se eles não são devidamente ouvidos, é por um regime político de controle que escolhe algumas propostas e ignora outras. Espaço de aprendizagem é espaço de apropriação crítica (e aí o professor que enfia conceitos goela abaixo do aluno não pode estar). E é por isso que os hackerspaces e makerspaces – ou seja lá que nome tinham antes disso, mas sabemos que já rolavam - estão na dianteira, é porque a área de engenharias em geral é onde o sistema educativo é mais rígido e onde não há espaço para se ouvir os alunos ou seguir fora do trajeto imposto. E é com essa galera que eu vejo coisas mais legais rolando, porque eles tiveram de derrubar tudo para construir o espaço deles do zero. Me preocupa a área de artes e cultura que fica nesse meio termo e não se expõe como autoritária nem escancara seus muros.”
3.8.3. Documentação
“Algo fundamental tem a ver com o que foi falado antes sobre espaços de formação. Se a abordagem é essa, é fundamental desenvolver-se essa preocupação. Esta é uma area onde estou me envolvendo desde o início do Usotópico [Laboratório fundado pela entrevistada na Universidade Federal de Juiz de Fora, dentro do Grupo de estudos em Práticas artísticas, espacialidade e ciências da vida.] e fico cada vez mais surpreendida com a falta de preocupação neste aspecto. Por um lado é um problema de hábito, as universidades não costumam gravar e montar bancos de dados das conferências que são realizadas, por exemplo. Gasta-se um dinheiro enorme produzindo eventos internacionais e fica quase tudo no zero depois. Quem não foi, perdeu. Esse tipo de pensamento é o mais frequente na academia, mesmo entre pessoas que trabalham na area do digital. Compare com o Fórum de Software Livre [O Fórum Internacional de Software Livre (FISL) é realizado anualmente em Porto Alegre, RS.], por exemplo, que tem quase tudo em streaming e posteriormente em um repositório. É um evento que custa caro mas oferece isso para quem não pode estar presente. Os eventos acadêmicos são financiados quase todos com 100% de dinheiro público e não oferecem isso em sua maioria. Não preciso mencionar essa ideia de guardar conhecimento para poucos nas instituições, está lá o filminho do Aaron Swartz [“The Internet's own boy”, filme que conta a história de Aaron Swartz, desenvolvedor de software e ativista de cultura digital que cometeu suicídio por estar sendo processado pelo governo de seu país.] que descreve tudo claramente. Isso não melhora quando passamos para as instituições de arte. Aí se soma a ideia do 'para poucos', 'para iniciados' e não disponibilizar material torna-se até motivo de orgulho. Tivemos algumas exceções, por exemplo os eventos e instituições onde a Giselle Beiguelman esteve envolvida (no Instituto Sergio Motta e na FAU[Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP), foram disponibilizados e viraram um material importante de consulta. Mas como comentei, eu mesma não tive possibilidade de fazer isso muitas vezes porque não me oferecem salas com internet nem técnico para cuidar do registro (se ele tiver de ser filmado e editado depois) e na maioria das vezes isso não é tratado com a seriedade devida. Parece algo totalmente acessório.
O que decorre disso com o tempo também é uma incapacidade de haver um desenvolvimento na area de tutoriais, vídeos educativos, etc. Estes materiais podem e devem ser parte de um projeto maior. Quanto custa gravar vídeos com câmera de computador e subir no Bambuser1? Depois ter isso em uma web com outras informações passo a passo sobre algum procedimento, notas do grupo que está trabalhando, etc. O Garoa Hacker2, tem uma wiki incrível bastante sistematizada. Falei deles e do FISL porque pela minha pesquisa é uma constante ver makerspaces e hackerspaces (ou grupos ligados às estas iniciativas) na dianteira deste processo. Então acho que nada mais natural de tê-los como referente. Não vai ser dos acadêmicos e dos centros de artes que conseguiremos tirar isso, que como falei, está na contra-mão destas instituições. São os grupos que têm como base o compartilhamento de saberes que podem nos ensinar. Pessoalmente me espelho neles e não fico perdendo tempo com o pessoal das artes ou acadêmicos que ainda tem dificuldade em disponibilizar os próprios papers na web, achando que não tem de 'dar nada de graça' .”
3.8.4. Espaços de difusão
“Aí eu me distancio ainda mais das artes. A figura do museu não me interessa e não acho que interesse ao que os labs podem fazer. Ou melhor dito, as instituições artísticas sempre vão beber desta fonte na medida em que perceberem nisso um nicho a ser explorado. Não é preciso ir até eles. Foi assim com o graffiti e será assim com as experimentações tecnológicas. Algumas serão escolhidas para obter o status de arte. E algumas pessoas vão aceitar isso ou não, assim como tem grafiteiro que virou artista top e outros que rejeitam isso. Mas tanto Banksy quanto os Gêmeos não duvidam que graffiti se faz na rua. O museu está fora dessa equação, e os modos de expor estas iniciativas me parecem sempre modos de se congelar algo que se move continuamente. Como já disse, nada contra este trânsito, ele existe e existirá sempre, mas não é preciso colocar os museus ou centros de arte com esse compromisso porque difusão é para o que se elenca como arte. Os labs podem produzir obras que se consideram artísticas, objetos de design para consumo ou nada ('só' uma roda de conversa, só uma troca de experiências). É assim e não há problemas nisso (os hackerspaces sabem). Colocar um museu ou uma 'loja de design' no final do ciclo e depois reclamar que 'não se dá devida importância ao processo' é no mínimo um paradoxo, porque se está forçando que haja um produto finalizado. Por isso me interessa mais o que faz um Ruiz no Coco da Umbigada ou o Regis com o Bailux, ou o Felipe no Ubalab que conhecem bem o contexto local e o que está fora dele (falei um pouco disso aqui http://medienimpulse.at/articles/view/648) e servem como conectores. Se vem alguém da Finlândia lá propor algo existe esta ponte. Só levar a galera de uma cidade grande para o interior em si não traz nada novo e pode até gerar problemas, curto-circuitos comunicativos não necessariamente positivos. E sobre as residências dentro do formato das artes (que é onde eu conheço) eu acho que é o contrário do que se espera de um lab: poucas ou nenhuma produção conjunta, cada um desenvolvendo seu projeto em um ambiente com infraestrutura e baseado na velha ideia da arte do artista-autor e dono da ideia que foi selecionado para estar ali por um grupo de experts. O fato de que muitas residências permitam que nao se apresente produto final nao soluciona nada. Sobre festivais eu não tenho muito o que acrescentar, são momentos pontuais de encontro e compartilhamento mas ainda não sei bem o que poderia ser proposto dentro disso aqui. Talvez pensando no Summerlab ou no próprio Tropixel, mas sempre com um pé atrás em fazer muita fumaça e no final não criar continuidade (que digamos, ocorreu apenas porque o Ubalab estava lá, então restaria saber se o festival teve um real impacto no contexto). Mas sobre isso estamos conversando e experimentaremos com propostas mais direcionadas e pontuais distribuídas no tempo. Pode ser que o resultado seja melhor, pode ser que não… eu não saberia dizer agora. O que sei que é os editais acadêmicos para eventos têm uma visao muito restrita do que pode ou não ser feito e não proporciona este contexto que procuramos, a não ser que sejam combinados com outros editais não acadêmicos (os quais conheco menos e não sei se estariam muito atrelados ao apoio da iniciativa privada).”
3.9. Cleomar Rocha
Professor da UFG e coordenador do Medialab UFG.
“O Medialab UFG é um projeto de pesquisa, desenvolvimento e inovação em mídias interativas. A partir desse laboratório há uma série de ações que envolvem não só os alunos - desde graduação até pós-doutorado- como também pesquisadores que estão articulados em várias áreas de conhecimento, com projetos que desenvolvemos no Medialab. A concepção do nosso laboratório é absolutamente aberta, nós somos um lab multiusuário. Não estamos vinculados a uma unidade da universidade, nos vinculamos diretamente à pró-reitoria, e isso faz com que haja uma oxigenação em relação aos pesquisadores, as expectativas, os trabalhos, para as diversas áreas de conhecimento. E nesse sentido, o trabalho colaborativo é fundamental. Por exemplo: estamos desenvolvendo um jogo com o pessoal do mestrado em engenharia, os meninos do design e o pessoal da fisioterapia, e nós estamos buscando, nessa concepção de serious games, uma fórmula de trabalhar com ludicidade as questões de tratamento de saúde. Essa é uma das linhas de pesquisa do Medialab.”
3.9.1. Redelabs
“Integramos esse projeto piloto da rede de universidades [Redelabs] e a nossa expectativa é que esse tipo de articulação, que é transdisciplinar, com equipes multidisciplinares, seja também em rede, superando as dificuldades que a distância traz. Então temos uma série de ações em conjunto com esses vários parceiros, e achamos fundamental conceber metodologias específicas para esse trabalho colaborativo em rede, que seja fundamental para o aprimoramento do uso da tecnologia de que nós dispomos hoje.
Temos uma série de iniciativas não sistematizadas. Enquanto metodologia, há necessidade de uma pesquisa melhor fundamentada no uso de rede. E esses espaços que estão dando uma boa largura de banda, fazendo essas articulações, têm se demonstrado um caminho muito promissor para os nossos trabalhos, e é essa minha expectativa em relação ao projeto da rede de laboratórios. Mais do que um produto, o desenvolvimento de metodologias e perspectivas de desenvolvimento é que está em causa, e nesse sentido tenho expectativa de que a gente não use apenas uma metodologia mas que teste uma série de metodologias que sejam capazes de desdobramentos para outros trabalhos. Certamente teremos um trabalho final nesses 9 meses mas o elemento primordial me parece ser a pesquisa que nós desenvolveremos acerca de metodologia de uso compartilhado desses aspectos de trabalho colaborativo.”
3.9.2. Políticas públicas
“Em relação à política cultural, acho interessante quando a sociedade percebe que o MEC provê acesso a edução para toda a sociedade. Que o ministério da saúde trabalha programas para toda a sociedade. Do mesmo modo, me parece que o Minc, quando lança determinadas propostas, que são para a população ter acesso à arte, e não para artistas somente, é algo fundamental. E ali nessa concepção de um Ministério da Cultura para dar acesso a toda a sociedade, é o ponto que nós devíamos focar. Principalmente pegando a capilarização das ações que são apoiadas pelo Ministério para que alcancem de fato a população. Ao respeito da cultura digital, nós superamos essas distâncias, rizomatizamos as instâncias de núcleo e localizações marginais de modo que isso não interfere grandemente no acesso aos bens culturais. Acredito que se conseguirmos, com redes já formadas, alcançar essa capilarização de acesso à cultura, teríamos algo fundamental que pode alterar o sentido de cultura brasileira. É nisso que a gente tem trabalhado com as ações de extensão desenvolvidas no Medialab. Fizemos um trabalho com a UFRJ e outros parceiros para colocar um programa de Universidade aberta com uma capilarização muito interessante e resultou em projetos muito bacanas. Estamos colhendo frutos até hoje de um trabalho que acabou há quase dois anos, o que nos indica caminhos acertados nesse sentido de formação, concepção e formulação de programas que busquem um reforço às identidades culturais. Essas questões são imperativas, e o contexto, mais do que trazer pessoas para a rede, é levar rede. Colocar essas pessoas em rede. É assim que temos trabalhado, uma rede de experiências digitais, no nosso programa Córtex3. Me parece imprescindível que determinadas ações sejam direcionadas para isso. Já temos uma serie de atores nessa cena mas que não alcançaram esse pulsar cultural que reside em todos os cantos e recantos do nosso país. Mais do que pensar cultura para artistas, vamos pensar a cultura para a população em geral e o uso dos ambientes digitais é imperativo para que a gente alcance essa capilaridade.”
3.9.3. Restelinha
[Exemplo de colaboração entre o lab e um projeto de residências artísticas que envolve um desdobramento em escolas]
“Temos trabalhado sistematicamente de modo colaborativo com vários parceiros. Um deles foi a Casa da Árvore, ONG sediada em Goiânia, que desenvolveu uma residência artística e teve uma repercussão muito boa, inclusive envolvendo jovens pesquisadores de Goiânia. Fizemos questão de que o trabalho não fosse simplesmente desenvolvido dentro de um laboratório mas que contaminasse outras pessoas envolvidas na cidade. E aí o trabalho de articulação com uma ONG, assim como outras parcerias que a gente tem feito, tem nos ajudado a alcançar essas pessoas. Esse foi um trabalho modelar acerca dessas possibilidades de articulação e nós devemos buscar esse tipo de parcerias e articulação para conseguir realizar essa contaminação para com a sociedade.”
1Website para transmissão de vídeo ao vivo e posterior armazenamento http://bambuser.com, acessado em 20/09/2014
2Garoa Hacker Clube hackerspace em São Paulo - http://garoa.net.br/ , acessado em 20/09/2014.
3http://medialab.ufg.br/pages/70888-cortex-rede-de-experiencias-digitais, acessado em 20/09/2014